Uma das principais medidas que auxiliariam o combate à corrupção é a aprovação da prisão após condenação em segunda instância. Não apenas porque ela igualaria o Brasil a inúmeras outras nações democráticas, onde não existe a jabuticaba da prisão apenas depois do fim do processo na quarta instância, mas também porque a perspectiva de efetivamente ir para a cadeia, em vez de manobrar o labirinto processual brasileiro para prolongar indefinidamente o trânsito em julgado, faria toda a diferença para os corruptos e corruptores. No entanto, a PEC que permitiria a prisão após condenação em segunda instância continua parada na Câmara dos Deputados.
Dentre as várias opções para cristalizar na legislação brasileira a possibilidade de cumprimento da pena depois da condenação em segunda instância, os deputados escolheram a PEC 199/19, baseada em uma sugestão do ex-ministro do STF Cezar Peluso: originalmente, ela previa que a ação penal propriamente dita se encerraria com o fim do julgamento na segunda instância – os Tribunais Regionais Federais ou os Tribunais de Justiça estaduais, por exemplo –, ocorrendo ali o trânsito em julgado. Os recursos especial (apresentado ao STJ) e extraordinário (apresentado ao Supremo) seriam transformados em ações autônomas, chamadas “revisionais”. No entanto, o relator Fábio Trad (PSD-MS) decidiu manter os dois tipos de recurso, mas acrescentando aos artigos 102 e 105 da Constituição, que tratam das funções do Supremo e do STJ, parágrafos afirmando que a interposição de recurso nos tribunais superiores “não obsta o trânsito em julgado da decisão recorrida”, indicando que este trânsito em julgado ocorreria na segunda instância – a sugestão para tal veio do próprio Peluso durante audiência pública para debater a PEC.
Em diversas ocasiões o brasileiro demonstrou, inclusive nas ruas, estar do lado da Operação Lava Jato, do combate à corrupção e da prisão após condenação em segunda instância, e nada indica que esse apoio tenha arrefecido
A tramitação da PEC, no entanto, está parada na comissão especial. Mesmo deputados defensores da proposta avaliam que o momento político não ajuda, e que ela só pode voltar a caminhar quando for capaz de atrair os holofotes da imprensa e da população. Se tivesse de competir em atenção com a PEC do Voto Impresso e a CPI da Covid, por exemplo, a prisão em segunda instância correria risco de ser silenciosamente enterrada pela bancada da impunidade, na avaliação daqueles que desejam vê-la aprovada. Além disso, é evidente que ações de combate à corrupção não estão entre as prioridades dos chefes dos poderes em Brasília: o tema não foi importante na disputa pela presidência das duas casas legislativas, e nem estava na lista de 35 prioridades entregue pelo presidente Jair Bolsonaro a Arthur Lira (PP-AL) e a Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no início deste ano.
Com o fim das discussões sobre o voto impresso, Trad e Aliel Machado (PSB-PR), presidente da comissão especial, contam com o fim da CPI da Covid, previsto para este mês de setembro, e torcem para que nenhum outro tema de grande relevância ou altamente polarizador surja no horizonte – o que exigirá um arrefecimento dos ânimos nas outras duas pontas da Praça dos Três Poderes, o Planalto e o Supremo. Se tiverem caminho livre para que a PEC 199 ganhe atenção suficiente da imprensa, a proposta tem tudo para retomar a tramitação.
A cobertura jornalística do tema é necessária para a mobilização da opinião pública, que na avaliação dos deputados é essencial para a aprovação da PEC. Neste caso, entretanto, eles precisarão modular bem suas expectativas. Por mais extraordinário que fosse ver o povo na rua em defesa da prisão após condenação em segunda instância, é muito improvável que isso ocorra. Com a aproximação do período eleitoral, a tendência é de que manifestações girem cada vez mais em torno de pessoas (a favor ou contra elas), e não tanto de ideias ou plataformas – basta ver como a prisão em segunda instância não é pauta nem da manifestação a favor do governo, marcada para este dia 7 de setembro, nem para os atos do dia 12, convocados pelo centro e pela direita não bolsonarista.
Isso não significa, no entanto, que falte apoio popular à proposta. Em diversas outras ocasiões o brasileiro demonstrou, inclusive nas ruas, estar do lado da Operação Lava Jato, do combate à corrupção e da prisão após condenação em segunda instância, e nada indica que esse apoio tenha arrefecido, especialmente depois de decisões recentes do Supremo que promoveram a impunidade. Compreende-se a estratégia dos deputados defensores da proposta, mas este é um caso em que o ótimo é inimigo do bom. Sempre haverá outros projetos competindo por atenção; cabe a todos os interessados no bom combate à corrupção – no parlamento, na imprensa e na sociedade civil organizada – trabalhar duro para dar à PEC a relevância que ela merece.
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