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O ex-procurador federal e ex-deputado federal Deltan Dallagnol terá de pagar R$ 135 mil ao presidente Lula. O motivo é o famoso slide de PowerPoint usado na coletiva de imprensa em que a força-tarefa da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal no Paraná, à época liderada por Dallagnol, explicava o oferecimento de denúncia criminal contra o petista por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá – Lula acabaria condenado, decisão confirmada em mais duas instâncias antes de ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal em 2021. A indenização de R$ 75 mil (Lula pedira R$ 1 milhão) foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça em 2022 e, dois anos depois, um recurso do ex-procurador foi rejeitado no STF; agora, com o trânsito em julgado do processo, a Justiça paulista corrigiu o valor pela inflação e deu 15 dias para que o pagamento seja efetuado.
Lula tinha todos os motivos do mundo para odiar mortalmente aquele slide em especial. Afinal, ele mostrava da forma mais didática possível onde e como o então ex-presidente se inseria dentro do enorme esquema montado pelo petismo, em conluio com empreiteiros amigos e partidos aliados, para sangrar estatais e abastecer o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores. Era a continuação do mensalão, esquema que mais de um ministro do STF descreveu como verdadeiro ataque à democracia. Na estratégia da força-tarefa, de dar publicidade total a seus atos e explicar à população o que vinha encontrando – uma estratégia incomum, e por isso às vezes incompreendida e criticada, inclusive por pessoas bem intencionadas –, aquele slide falava mais alto ao cidadão comum que centenas de páginas com citações do Código Penal.
Lula tinha todos os motivos do mundo para odiar mortalmente aquele slide, que mostrava da forma mais didática possível onde e como ele se inseria dentro do petrolão
Tanto a primeira quanto a segunda instâncias não viram nenhum tipo de problema legal na apresentação e naquele slide em especial; o mesmo entendimento tiveram as corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público. Tratava-se de estratégia lícita, que poderia até ser questionada quanto à conveniência – em 2020, Dallagnol afirmou “hoje eu faria diferente”, pois o slide acabou criando ruídos desnecessários –, mas jamais quanto à sua legalidade, a ponto de ensejar uma indenização por danos morais. No entanto, o episódio acabou entrando para a nefasta lista que compõe a mentirosa narrativa sobre os “abusos da Lava Jato”, narrativa esta que infelizmente se tornou bastante difundida.
Abuso, no entanto, é palavra mais adequada para descrever o desfecho do processo de Lula contra Dallagnol. A análise da culpabilidade deveria ter se encerrado na segunda instância, como de costume? Não importa; o STJ tomou o caso para si por decisão pessoal do ministro Luís Felipe Salomão, apesar de decisão contrária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e refez o julgamento. O parágrafo 6.º do artigo 37 da Constituição, bem como a jurisprudência do STF e do Supremo, dizem que a indenização em caso de erro de agente público é paga pelo Estado, e não pela pessoa física do (ex-)funcionário público? Não importa; Dallagnol é condenado mesmo assim. O passado recente mostra muito bem como os tribunais superiores – todos eles – tratam a Constituição, as leis e a jurisprudência como opcionais quando se trata de proteger Lula e realizar aquilo que Luís Roberto Barroso um dia descreveu com os termos “a corrupção quer vingança”. É por isso que um único centavo de indenização já seria um preço alto demais – não pelo montante, obviamente, mas pelo absurdo da situação.
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Quando da condenação pelo STJ, milhares de brasileiros doaram espontaneamente pequenos valores que superaram o valor da multa imposta a Dallagnol, que por sua vez prometeu doar o excedente a hospitais filantrópicos e publicar os comprovantes. Essa atitude é uma demonstração eloquente de que muitos brasileiros não engoliram a inversão de valores que transforma os ladrões em vítimas, e os agentes da lei em criminosos. Com a Lava Jato enterrada nos tribunais superiores, cabe a todos nós manter acesa a memória da maior operação de combate à corrupção da história do Brasil, e preservar a verdade sobre o esquema, verdade essa que nenhuma decisão judicial tem o poder de mudar, e que está muito bem documentada como resultado de anos de trabalho diligente e heroico.



