A oposição ao governo Lula já antecipava que seria muito difícil impedir que o ministro da Justiça, Flávio Dino, fosse alçado a uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. E, de fato, em nenhum momento a indicação de Lula correu riscos: foram 17 votos a 10 na Comissão de Constituição e Justiça, e 47 a 31 no plenário – uma folga de seis votos, já que 41 lhe bastariam para assegurar a nomeação. É bem verdade que desta vez a oposição foi bem maior que os 18 votos dados contra Cristiano Zanin em junho, mas ainda assim é preciso questionar como alguém com o perfil de Dino consegue o apoio da maioria dos senadores para integrar a mais importante corte do país.
Não adianta buscar a explicação apenas na exoneração de ministros para que voltassem ao Senado apenas para aprovar Dino, ou na pesada liberação de emendas pelo governo. O fato é que, lamentavelmente, há uma completa desconexão entre a classe política e as necessidades reais do país. Temos insistido, por exemplo, que a restauração do verdadeiro sentido da liberdade de expressão é prioridade nacional, já que esta garantia democrática tão básica tem sido sistematicamente vilipendiada inclusive pelo Supremo. Qualquer senador para quem isso estivesse muito claro teria a decência de rejeitar as investidas do Planalto, ciente de que jamais poderia endossar um nome que considerou “sepultado” o “tempo da autorregulação no Brasil, da ausência de regulação e da liberdade de expressão como valor absoluto”; ainda que, obviamente, a liberdade de expressão tenha seus limites, devidamente traçados na lei, está evidente que a intenção de Dino é outra, a julgar pela forma como ele tratou os que se opunham ao PL 2.630/20, intimidando e ameaçando as Big Techs que, sendo as principais afetadas pelo projeto, resolveram manifestar sua opinião contrária.
No momento de afirmar que não aceitaria mais os nomes que um depredador de instituições como Lula quer impor-lhes goela abaixo, e que o Supremo é lugar de defensores da democracia, o Senado se rebaixou e perdeu uma chance histórica
Os senadores, com seu voto, ainda endossaram o caráter político que a corte assumiu nos últimos anos – um caráter assumido pelos seus integrantes, especialmente dois de seus membros: o atual presidente, Luís Roberto Barroso, que já se referiu ao Judiciário como um “poder político” e se gabou de ter “derrotado o bolsonarismo”; e Dias Toffoli, para quem o STF se tornou “editor de um país inteiro” e o “poder moderador” em um “semipresidencialismo”. A disparidade de critérios com que a corte julga seus casos, a depender de quem está envolvido, é impressionante, como demonstra o destino dos manifestantes do 8 de janeiro em comparação com outros réus ou condenados, incluindo chefes do tráfico e corruptos renomados. Um senador autenticamente preocupado com o império da lei, com o devido processo legal e com a isenção do Poder Judiciário jamais teria como endossar alguém que, uma vez instalado na cadeira de ministro do STF, vai reforçar o caráter político da corte – como, aliás, insinuou o deputado Ivan Valente (PSol-SP) ao afirmar que Dino no Supremo significa “Bolsonaro mais perto da cadeia”.
Essa atuação política do Supremo, aliás, não deixou de estar presente no processo que levou o ministro da Justiça ao STF. Vários dos atuais ministros mantiveram o costume de abandonar completamente a discrição e a imparcialidade que seria esperada deles, lançando-se em campanha aberta pela aprovação de Dino e celebrando o resultado. Alexandre de Moraes, talvez o principal dos liberticidas que integram hoje o STF, afirmou que “nossos poderes e instituições saem fortalecidos”; Gilmar Mendes, cuja atuação foi decisiva no desmonte da Operação Lava Jato no STF, disse que “a democracia brasileira celebra com entusiasmo” a aprovação de Dino e de Paulo Gonet, escolhido por Lula para a Procuradoria-Geral da República – a Gazeta do Povo apurou que Mendes estava presente em uma “costelada” promovida pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), relator da indicação de Dino, para comemorar o resultado da votação no Senado.
Ironicamente, Gilmar Mendes havia, dias atrás, chamado de “pigmeus morais” alguns senadores que trabalharam pela aprovação de uma PEC que restringe as situações em que ministros do STF podem proferir decisões monocráticas. Mal sabia ele que o insulto acabaria se materializando por outros motivos, bem diferentes daqueles que motivaram o destempero verbal do magistrado: nesta quarta-feira o Senado efetivamente se rebaixou e perdeu uma chance histórica. Era o momento de afirmar que não aceitaria mais os nomes que um depredador de instituições como Lula quer impor-lhes goela abaixo, e que o Supremo é lugar de defensores da democracia, da Constituição e das liberdades, não dos que personificam o exato oposto disso. Mas, infelizmente, a maioria dos senadores optou em confirmar uma outra frase, esta atribuída a Roberto Campos, para quem o Brasil é um país especialista em jamais perder a oportunidade de perder uma oportunidade.
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