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Um ano e meio depois de instaurar um Processo Administrativo Disciplinar contra a juíza catarinense Joana Ribeiro Zimmer, o Conselho Nacional de Justiça decidiu por unanimidade, em 18 de fevereiro, aplicar a ela a pena de censura, que, segundo a Lei Orgânica da Magistratura, a impede de “figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano”. O leitor haverá de se perguntar o que a magistrada terá feito para merecer a punição. Terá vendido sentenças? Coagido delatores a confirmar determinadas versões de uma investigação? Ordenado pesca probatória contra alguém? Acumulado funções dentro de um mesmo processo? Proferido ordens inconstitucionais? Não: Joana Zimmer simplesmente fez o que julgava ser o certo, dentro da discricionariedade que a lei lhe permite, com o intuito claro de buscar o melhor desfecho para todas as pessoas envolvidas no caso que julgava.
O caso em questão, que ganhou ampla repercussão nacional – ainda que de forma muitíssimo distorcida –, ocorreu em maio de 2022: uma pré-adolescente de 11 anos estava grávida e buscava autorização judicial para um aborto, já que o hospital que ela havia procurado inicialmente, em Florianópolis, havia se recusado a fazer o procedimento alegando que o bebê já tinha 22 semanas de gestação, tendo ultrapassado o limiar da “viabilidade fetal”, ou seja, tinha chances de sobreviver fora do útero. A notoriedade veio graças ao vazamento criminoso de imagens maldosamente recortadas de uma audiência, na qual Zimmer e a promotora Mirela Dutra Alberton sugeriam (o verbo é importante, pois elas jamais impuseram nada) que a menina mantivesse a gestação apenas por mais uma ou duas semanas, para que, ocorrendo então a antecipação do parto, a criança tivesse mais possibilidades de resistir e, sobrevivendo, ser encaminhada para a adoção. A menina concordou em um primeiro momento, mas, depois, acabou fazendo o aborto, tamanha a pressão feita pelo abortismo incrustado em setores da mídia e da sociedade civil organizada.
Joana Zimmer fez o certo, dentro da discricionariedade que a lei lhe permite, com o intuito claro de buscar o melhor desfecho para mãe e bebê
Se por um lado é verdade que o Código Penal brasileiro não impõe limite de idade gestacional para a excludente de pena do aborto praticado em caso de gravidez decorrente de violência sexual, por outro lado também é verdade que normativas médicas brasileiras e internacionais são unânimes (ou, na pior das hipóteses, eram unânimes quando o caso ocorreu) em afirmar que, atingida a viabilidade fetal, o procedimento recomendado não é o aborto, mas a antecipação do parto, com a oferta de todos os cuidados possíveis para que o bebê possa sobreviver. Foi exatamente isso que Joana Zimmer e Mirela Alberton fizeram. E, se considerarmos que a literatura médica atesta que, em gestações mais avançadas, o aborto (que exige matar o feto dentro do útero e forçar sua expulsão depois) traz mais riscos à vida da gestante que a antecipação do parto, não resta a menor dúvida de que juíza e promotora estavam agindo também no melhor interesse da pré-adolescente.
Uma ação que, para qualquer pessoa de bom senso, seria digna de elogio, mas que recebeu a reprovação formal do CNJ. Luiz Fernando Bandeira de Mello, relator do caso no conselho, afirmou que Joana Zimmer havia permitido que seus valores pessoais prevalecessem, e que a ela cabia nada mais que simplesmente autorizar a realização do aborto. Sabendo que não é assim – afinal, juízes existem, entre outras coisas, para dirimir controvérsias, e a solução defendida pela magistrada catarinense era totalmente defensável do ponto de vista legal –, não é descabido inverter a questão e perguntar até que ponto os valores pessoais dos conselheiros que condenaram Joana Zimmer não falaram mais alto no julgamento. Afinal, Bandeira de Mello chegou a dizer que a juíza “humanizava a gravidez”, como se estivéssemos diante de uma barbaridade. Ainda que de fato não haja nada de digno na violência sexual, por acaso não é humano, completamente humano, o bebê que estava no ventre da pré-adolescente? Quem nega a realidade não é a juíza que trata aquele feto como o que ele é, mas o abortismo que desumaniza aqueles que pretende ver eliminados.
Por fim, o CNJ ainda considerou que Joana Zimmer expôs a menina a constrangimento, quando na verdade os responsáveis por isso foram os que vazaram as imagens da audiência (uma violação de privacidade que não foi nem sequer investigada). E isso basta para mostrar o quanto a boa aplicação da lei deu lugar ao Zeitgeist dentro do Judiciário e da entidade que deveria zelar pela preservação da integridade desse poder. Se uma juíza tem sua carreira prejudicada por fazer a coisa certa, com amparo legal e com base nos melhores conhecimentos médicos, de forma a salvar o máximo possível de vidas, não está havendo justiça, mas perseguição ideológica.