Quando o momento pede que o presidente do Senado se coloque como contraponto aos abusos cometidos pela cúpula do Judiciário, eis que Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está empenhado no exato oposto: em afagar a magistratura. Apesar do recuo temporário na votação da PEC 63/2013, Pacheco, advogado de formação, ainda quer votá-la antes do início do recesso parlamentar. A proposta ressuscita um privilégio extinto em 2006, o quinquênio, um adicional de 5% no salário dos juízes – e também dos membros do Ministério Público – que é incorporado ao contracheque a cada cinco anos de trabalho. A PEC saiu do limbo em maio deste ano, quando entidades representativas da magistratura pressionaram o então presidente do STF, Luiz Fux, que por sua vez levou o pedido a Pacheco.
Para Pacheco, os magistrados e membros do MP precisam ser “compensados” pelas “privações” que têm, como se fosse “privação” iniciar a carreira já recebendo dezenas de milhares de reais por mês, o que coloca esses profissionais no topo do topo da pirâmide socioeconômica nacional. Aliás, tanto não há “privação” na magistratura e no MP que tais carreiras são extremamente concorridas; muitos brasileiros se empenham com todas as suas forças em ingressar nelas, dedicando às vezes anos de suas vidas – ninguém faz tamanho esforço para ter em troca uma vida de “privações”; quem busca ambas as carreiras o faz plenamente ciente dos ônus e dos bônus envolvidos.
Desde a controvérsia mal-resolvida do auxílio-moradia, ficou evidente que parcela significativa da magistratura e do MP vive um descolamento radical em relação aos demais brasileiros
Além disso, todos os detalhes que envolvem a PEC 63 e a volta do quinquênio fazem desse pagamento muito mais que uma “compensação”. O valor não contaria para o teto constitucional (e o quinquênio nem de longe é “verba indenizatória”, cujo pagamento pode levar a remuneração a superar o teto); seria pago retroativamente; e a contagem do tempo incluiria até mesmo o período passado em “atividade jurídica”, não apenas no cargo de juiz ou membro do MP. Isso não é compensação, mas privilégio puro – cálculos feitos por consultores legislativos indicam que, dependendo do ano de ingresso na carreira, um magistrado poderia receber até R$ 2 milhões em valores “atrasados” apenas com a aprovação da PEC 63.
Os magistrados, aliás, resolveram nem esperar que os senadores lhes devolvam a benesse. O Conselho da Justiça Federal (CJF), comandado pela presidente do STJ, ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, e que conta com outros ministros e desembargadores, resolveu por conta própria restituir o quinquênio para os juízes federais. Ao fazê-lo, julgou em causa própria e extrapolou suas funções – nada que os ministros do STF não façam com certa frequência, a bem da verdade –, já que não lhe cabe definir remuneração de magistrados. Se tal manobra prosperar, logo os demais ramos da magistratura e os conselhos que regem a atividade de membros do Ministério Público tomarão decisões idênticas, em nome da “isonomia”.
Ironicamente, quem anda empenhado em frear a PEC 63 é o petismo, que, numa incrível coincidência, era favorável à ideia até assumir a chave do cofre na eleição presidencial de outubro. Como agora a aposta no “quanto pior, melhor” cairá no próprio colo, os senadores da legenda se apressaram em pedir que a votação da PEC seja adiada. O líder do PT na casa, Paulo Rocha (PA), alega que a PEC não traz informações sobre os custos da medida e que ela “poderá ter consequências indesejáveis”, inclusive na forma de um efeito-cascata nas contas dos estados, não apenas da União. Nada disso, obviamente, incomodava os petistas quando tal conta, que eles até se empenharam em inchar com emendas que incluíam outras categorias na farra do quinquênio, teria de ser paga por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Um recuo hipócrita, evidentemente; mas ainda assim qualquer resistência à PEC 63 será bem-vinda.
Desde a controvérsia mal-resolvida do auxílio-moradia, ficou evidente que parcela significativa da magistratura e do MP vive um descolamento radical em relação aos demais brasileiros. Uma classe extremamente bem remunerada – em termos absolutos, mas especialmente em termos relativos – e que deveria se empenhar incansavelmente por fazer valer a lei e a justiça resolve usar de artifícios no mínimo imorais e questionáveis para burlar os limites legais de remuneração. Que tal insensibilidade ainda conte com apoiadores no Senado a ponto de ser gravada na Constituição só acrescenta mais um item à enorme lista de descasos dos poderes da República com uma população que segue lutando para trabalhar e comer.
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