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Plenário do STF durante sessão que encerrou julgamento sobre descriminalização do porte e posse de maconha.
Plenário do STF durante sessão que encerrou julgamento sobre descriminalização do porte e posse de maconha.| Foto: Antonio Augusto/SCO/STF

Nem foi preciso esperar pelos dois votos ainda faltantes no julgamento sobre a descriminalização do porte e posse de maconha no STF para que a maioria em favor do ativismo judicial laxista fosse formada. Na sessão desta terça-feira, o ministro Dias Toffoli resolveu esclarecer seu voto, que até então estava sendo lido como uma nova linha de divergência em relação à tese do relator, Gilmar Mendes. E, ao fazer o esclarecimento, criou a maioria necessária para que a posse e o porte da maconha sejam descriminalizados, deixando de ser crimes para tornarem-se atos ilícitos administrativos, sem natureza penal, na formulação do presidente da corte, Luís Roberto Barroso, feita logo após a fala de Toffoli. Ao fim, os dois últimos ministros a votar, Luiz Fux e Cármen Lúcia, também defenderam a descriminalização, formando o placar definitivo de 8 a 3 – foram vencidos Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.

O julgamento tinha sido iniciado em 2015. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo questionava a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006) – que já não previa pena de prisão ao usuário, frise-se –; no caso em tela, um detento teve de cumprir pena de serviços comunitários por ter sido flagrado com três gramas de maconha em sua cela, em 2009. Segundo a Defensoria, a lei violava o direito à intimidade previsto no artigo 5.º, X, da Constituição. E, no julgamento, os ministros puderam dar vazão completa ao seu constante desejo de serem legisladores.

Os ministros podem fazer todo tipo de ressalva para reduzir o impacto do que acabam de decidir, mas seu ativismo judicial, equivocado na forma e no conteúdo, terá efeitos gravemente deletérios para toda a sociedade

De início, Gilmar Mendes votou pela descriminalização de todo tipo de drogas; na sequência, Edson Fachin concordou com a inconstitucionalidade do artigo 28, mas apenas no caso da maconha, sendo seguido por Barroso e Alexandre de Moraes; posteriormente, Mendes reformou seu voto para alinhar-se com os três colegas, e aqui já surge a primeira das muitas incoerências que surgem quando juízes se arrogam o papel de legisladores. Afinal, ou o artigo 28 é inconstitucional ou não é; ou o direito à intimidade contempla o direito a ter e carregar drogas, ou não – e tudo isso independe do tipo do entorpecente em questão. Sem querer carregar nas costas o peso por fazer do Brasil um paraíso para todo tipo de droga, os ministros acabaram fazendo uma escolha arbitrária, ao menos considerando-se o tipo de argumento envolvido.

Não contentes, os ministros avançarão ainda mais no ativismo ao pretenderem decidir, eles mesmos, que quantia de maconha servirá como referência para diferenciar um usuário de um traficante. Enquanto Fachin, em 2015, votara para deixar essa definição para o Congresso, Moraes sugeriu um limite máximo de 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis sativa, e tudo indica que, sendo esta ou outra a quantia escolhida, serão mesmo os ministros do STF os responsáveis por fixar um limite, sob a alegação de evitar uma suposta subjetividade aplicada por policiais e juízes, que tenderiam a ser mais rigorosos com certo perfil social ou racial. Mesmo admitindo que possa estar havendo uma aplicação equivocada de critérios em alguns (ou muitos) casos, também é preciso lembrar que há muitas outras circunstâncias envolvidas e cuja análise é necessária quando se trata de avaliar se estamos diante de um pequeno traficante ou de um usuário. O estabelecimento do critério quantitativo como único fator é um enorme risco.

E isso foi lembrado pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 2015, quando o julgamento começou. Na ocasião, Janot alertou para a “institucionalização do exército de formigas”, com traficantes circulando apenas com pequenas quantidades que os livrem de qualquer responsabilização penal caso sejam pegos. Para alguém flagrado com a quantidade “aceita” de maconha ser enquadrado como traficante, seria preciso que a pessoa tivesse consigo objetos como balanças, cadernos de anotação e celulares com contatos de compra e venda, o que caracterizaria a atividade de tráfico. No entanto, acreditar que uma dessas “formiguinhas do tráfico” circularia com algum desses itens, correndo os riscos correspondentes, é de uma enorme ingenuidade.

Os ministros podem fazer todo tipo de ressalva para reduzir o impacto do que acabam de decidir, mas o fato é que seu ativismo judicial, equivocado na forma e no conteúdo, terá efeitos gravemente deletérios para toda a sociedade. As consequências do uso de drogas – todas as drogas, inclusive a maconha – já estão fartamente documentadas, com ampla literatura científica a esse respeito, fato ressaltado pelas entidades médicas brasileiras em notas e pronunciamentos. Não há “quantidade segura” para o consumo, e o potencial que o vício tem para destruir o usuário, sua família e seu entorno é amplamente conhecido. A sociedade, por meio de seus representantes eleitos, já decidiu qual o grau de tolerância que considera aceitável diante do fenômeno das drogas, inclusive ao diferenciar o traficante do usuário e ao não aplicar a este último penas de prisão. A decisão do STF subverte essa lógica, e ainda o faz na direção mais permissiva, aquela que facilitará a disseminação do fenômeno previsto por Rodrigo Janot, fortalecendo o tráfico – e toda a violência urbana por ele gerada – e ampliando as oportunidades para que brasileiros entrem na espiral de degradação que o uso de drogas provoca.

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