Os proprietários de uma área de cerca de 170 hectares que foi invadida, em 2017, por indígenas no Norte do Paraná, na cidade de Tamarana, fizeram uma denúncia crime ao Ministério Público Federal (MPF) alertando que a fazenda foi arrendada para não indígenas com fins de cultivo comercial de soja, milho e trigo.
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A denúncia afirma que a locação foi realizada pelo então cacique Natalino Marcolino a um produtor rural identificado como Edvaldo Tagliari que possui, segundo os documentos levados ao MPF, propriedades rurais no entorno. Atualmente, as terras não estão mais cedidas para Tagliari, mas para outros não indígenas que não constam na denúncia feita ao MPF por terem assumido após a formalização da denúncia.
À época da invasão, a alegação dos indígenas era que a área pertenceria aos povos originários e deveriam incluir o aldeamento que fica ao lado das terras, chamadas de Apucaraninha da etnia Kaingang. Os proprietários que possuem titularidade dos 170 hectares recorreram e o processo tramita na 3ª Vara Federal de Londrina, que emitiu uma liminar determinando a desocupação. Mas a execução da reintegração de posse segue suspensa por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ocorre que desde o ano de 2019, pressupondo equivocadamente que a referida decisão lhes dava esse direito, os silvícolas invasores passaram a explorar economicamente a área ocupada, através de contrato de arrendamento agrícola para o plantio de milho e soja firmado com terceiro não índio”, alertaram os proprietários na denúncia ao MPF que a Gazeta do Povo teve acesso.
A petição reforça que há cultivo comercial das áreas mantidas, normalmente, e que nos ciclos administrados por Tagliari teria receituário agronômico e declaratórios para aquisição de sementes com base em outras áreas que pertencem ao arrendatário.
“Utilizando indevidamente os dados do Cadastro de Produtor (CAD-PRO) as terras invadidas e cultivadas irregularmente pelo noticiado não possuem cadastro próprio junto ao Ministério da Agricultura, justamente por se tratar de uma área de invasão (...) Por meio de investigação realizada pelo próprio noticiante, apurou-se que a fração das terras de sua propriedade, ocupadas ilicitamente pelos índios, vêm sendo exploradas economicamente”, considera a denúncia com suspeita de práticas de “falsidade ideológica e crime ambiental”.
A área invadida e arrendada a terceiros pertence aos mesmos proprietários que tiveram a Fazenda Tamarana de mil hectares produtivos invadida em dia 28 de setembro deste ano sob a alegação de pertencimento das terras ao aldeamento. Os povos originários dizem que há um registro de doação do imóvel à comunidade indígena pelo estado em 1955, o que é contestado pelos proprietários.
"Há de se descartar a ocorrência de eventuais crimes cometidos por integrantes da comunidade indígena ao se utilizar do argumento de que a terra invadida se trata de terras indígenas com o único propósito de arrendá-las a terceiros não índios”, alerta a denúncia.
O documento ainda pede ao MPF que sejam oficiadas cooperativas e empresas onde as safras colhidas nas áreas arrendadas, irregularmente, foram depositadas, bem como a solicitação de cópias de eventuais contratos de armazenamento firmados com essas instituições, relatórios de entrega dos produtos com essas denominações e de eventuais receituários agronômicos em nome dos envolvidos.
MPF: Funai afirma que não há arrendamentos
Procurado, o MPF afirma que, com a instauração do inquérito, foram solicitados esclarecimentos à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que respondeu que fez um pedido aos índios para o repasse das informações.
De acordo com a Funai, "não ocorreu o plantio de soja, sendo opção dos indígenas o plantio de milho no local desde a reocupação da área”. Segundo o MPF, os “indígenas prestaram contas da venda da safra de milho, informando como o dinheiro foi aplicado em prol da comunidade indígena”.
“Considerando que os indígenas da Terra Indígena Apucaraninha reocuparam uma grande área da fazenda Tamarana, inclusive a sede desta, e que o caso está judicializado, inclusive com ordem de reintegração de posse aguardado cumprimento, o MPF aguarda o desfecho da situação em juízo, pois tendo o MPF comparecido no local recentemente constatou que na área não há nenhuma cultura plantada”, declarou o MPF ao ser questionado pela reportagem.
Natalino Marcolino, o cacique que teria fechado o acordo com um terceiro para o arrendamento não está mais no comando da comunidade indígena e não foi localizado para comentar as denúncias. O novo cacique, Jucelino Vergílio disse que não tem conhecimento sobre o assunto. “Faz três meses que assumi, agora que estou mexendo as coisas aí e não estou por dentro dessas coisas não”, respondeu.
A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Produtor diz que plantou em terra invadida, mas que fez “parceria”
Procurado pela Gazeta do Povo, o agricultor Edvaldo Tagliari disse que chegou a plantar na terra mas numa parceria com os indígenas e apenas para o cultivo de milho.
A soja tem plantio proibido em áreas indígenas, além de ser ilegal o arrendamento ou cessão de terras invadidas. Segundo ele, o plantio foi de duas safras, uma de verão e outra "safrinha" há alguns anos, que não sabia se tratar de uma área invadida.
Ele alega que, assim que soube dos problemas envolvendo a área, deixou de cultivá-la. De acordo com ele, a parceria firmada com os indígenas envolvia o pagamento de recursos em espécie, mas que não se recordava dos valores.
Tagliari chegou a dizer que o acordo havia sido feito com o ex-cacique Natalino Marcolino, mas voltou atrás e disse ques um terceiro teve o papel intermediador no negócio, segundo o agricultor. Ele negou ter utilizado documentos de outras áreas para a compra de insumos para cultivo das terras invadidas e justificou que “jogou no local um milho de paiol”, motivo da aquisição de sementes.
Os proprietários contestam a informação e, na denúncia, apresentam imagens da área cultivada com soja, milho e trigo referente a diversos ciclos produtivos. “Quando fiquei sabendo desses problemas todos, cai fora”, disse o agricultor à Gazeta do Povo.
Tagliari confirmou ainda que chegou a cultivar em parte dos 5 mil hectares na área do aldeamento e que isso nao ocorre mais. Os atuais arrendatários, que ainda não constam na denúncia crime e os proprietários analisam como incluí-los à demanda judicial, foram procurados, mas não atenderam à reportagem.
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