Áudios que integram o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e Não Persecução Civil (ANPC) firmados pelo deputado estadual Ademar Traiano (PSD), presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e o Ministério Público do Paraná (MP-PR) em 2022, mas que só se tornaram públicos agora, revelam como foi parte das negociações com o empresário Vicente Malucelli para o recebimento de propina. O esquema, que funcionou no ano de 2015, beneficiou Traiano e o ex-deputado estadual Plauto Miró, na época filiado ao DEM.
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Os áudios foram publicados pela RPC TV e pelo G1 nesta segunda-feira (18) e fazem parte do processo que teve o sigilo derrubado por cerca de duas semanas, mas retornou ao segredo de justiça por determinação do desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Luiz Mateus de Lima, no mês de fevereiro.
Ainda em dezembro, o MP-PR divulgou que havia pedido a suspensão do sigilo para a Justiça.
No fim de 2023, quando estava sob sigilo pela primeira vez, o caso ganhou evidência após o deputado estadual Renato Freitas (PT) anexar em sua defesa no Conselho de Ética da Alep detalhes sobre o acordo. Dois meses antes, Freitas havia chamado Traiano de corrupto na tribuna da Alep e, como consequência, Traiano foi ao Conselho de Ética da Casa contra Freitas. Pelo acordo firmado com o MPPR e homologado pelo TJPR, o presidente da Alep admitiu atos de corrupção. Para não responder a processos nas esferas civil e criminal, Traiano e Miró fecharam acordo para pagamento de multas que somadas chegam a R$ 743 mil.
Nas gravações, feitas por Malucelli e entregues à Justiça após um acordo de delação premiada em 2020, Traiano aparece orientando como parte do pagamento seria feita: por meio de uma oficina mecânica. Em uma das gravações, Traiano e Malucelli aparecem combinando uma versão para apresentar a Miró sobre o pagamento, considerando que o ex-deputado estadual não teria recebido o valor integral combinado até aquele momento.
Foram R$ 200 mil de propina pagos aos parlamentares, R$ 100 mil cada. Originalmente, Miró - que era primeiro secretário da Alep - e Traiano haviam pedido R$ 300 mil para despesas de campanha.
Quando gravou as conversas, Malucelli era diretor da TV Icaraí, prestadora de serviços à Alep desde 2012. Ele disse à Justiça que havia registrado os encontros por receio que os parlamentares pudessem prejudicar a TV e que se sentia ameaçado por Ademar Traiano. O caso ocorreu em período próximo ao vencimento da prorrogação do contrato entre a Alep e a TV.
Em uma das conversas, Traiano fala a Malucelli como é para o empresário enviar o dinheiro e diz que o pagamento poderia ser feito pela conta da própria TV.
“É uma empresa de mecânica lá”, sugere Traiano na gravação. Na delação premiada, Malucelli afirmou que parte dos pagamentos foi feita dentro do prédio da Alep, em dinheiro vivo no gabinete de Traiano (R$ 50 mil), e cheques entregues no condomínio onde o deputado mora. A indicação é que esses cheques, dois de R$ 20 mil e um de R$ 10 mil, seriam depositados na conta da oficina mecânica.
Em trecho de diálogo, Traiano e Malucelli combinam a entrega de parte da propina ao filho de Traiano. A conversa ocorre da seguinte forma:
Vicente: Eu tenho que ir no banco sacar dois cheques na mão.
Traiano: Pra mim, cheque?
Vicente: Eu saco.
Traiano: Cheque de quem? Da TV?
Vicente: É.
Traiano: Senão eu ia mandar os cheques.
Vicente: Quer cheque meu?
Traiano: Acho que seria melhor .
Vicente: Eu trago.
Traiano: Vou dar noutra pessoa, lá fora.
Vicente: Dois de 25 [R$ 25 mil]. Daí trago amanhã de manhã aqui. Ou hoje ainda.
Traiano: Eu acho que preferia se fosse entregue hoje.
Vicente: tá, até que horas você fica aqui?
Traiano: Não, ele não tá aqui, tá no meu ap [apartamento] eu poderia pedir pra…
Vicente: Pra gente se encontrar?
Traiano: É, eu peço para ele falar com você.
Vicente: Então manda ele ligar no meu celular, tenho outro telefone também já ligo do outro, mas pode me ligar no mesmo, é melhor.
Traiano: Vou dizer ‘ó, para dar o dinheiro’.
Vicente: Como que é o nome dele?
Traiano: É Junior.
Vicente: Junior? Tudo bem, me ligue daí eu vou atrás.
Traiano: Melhor.
Vicente: Eu acho melhor.
Traiano: Falou, tchau.
A assessoria de Ademar Traiano disse à Gazeta do Povo que o “deputado reforça a validade legal do acordo realizado e que os documentos veiculados estão sob sigilo judicial”. A reportagem da Gazeta do Povo não conseguiu contato com os outros citados. O espaço segue aberto para as manifestações.
Cronologia do caso envolvendo Ademar Traiano (PSD)
A TV Icaraí, do grupo J. Malucelli, vence licitação para produção de conteúdo para a TV Assembleia.
Segundo Vicente Malucelli, à época responsável pela Icaraí, o pedido de propina de R$ 300 mil foi feito pelo deputado Ademar Traiano. Plauto Miró estava presente na reunião.
J. Malucelli é mencionado em desdobramento da Lava Jato que trata de desvios em Fundos de Investimentos da Caixa Econômica Federal.
A J. Malucelli é implicada nas operações Integração, Buona Fortuna e Piloto. Em setembro, na operação Rádio Patrulha, do Ministério Público Estadual, o empresário Joel Malucelli é preso.
Empresas do grupo J. Malucelli, incluindo a TV Icaraí, fecham acordo de leniência com o MPF e o MP-PR, confessando ter participado de atos ilícitos.
Com o avanço das investigações, Traiano e Miró assinam um acordo em que admitem ter pedido e recebido propina. Eles devem devolver R$ 187 mil como reparação.
Em outubro de 2023, Traiano move uma representação contra o deputado Renato Freitas (PT), após ter sido chamado de "corrupto" em uma sessão plenária.
Nas alegações finais do processo no Conselho de Ética da Alep, a defesa de Freitas inclui trechos do processo que contêm a delação de Malucelli. O acordo com a confissão do presidente da Alep vem à tona.
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