O conselheiro Rogério Magnus Varela Gonçalves, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), determinou a suspensão do processo de remoção compulsória de um promotor de justiça da 9ª Vara Criminal de Curitiba para outra unidade diante da necessidade da “preservação da autonomia do Ministério Público”.
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A Corregedoria-Geral do Ministério Público do Paraná (MPPR) havia solicitado à Procuradoria-Geral de Justiça, no mês de setembro, o deslocamento do promotor Jacson Zilio com base em questionamentos sobre a atuação dele em processos evolvendo tráfico de drogas.
Ao recorrer ao Conselho Nacional do MP, a defesa do promotor considerou que a independência funcional era alvo de investidas do Conselho Superior do MPPR e da Corregedoria, por questionarem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em casos relacionados a buscas pessoais e domiciliares por policiais em situações relacionadas ao crime de tráfico de drogas.
Para embasar o pedido de remoção de Zilio, a corregedora do MP Rosângela Gaspari afirmou que o promotor teria desconsiderado a atuação de outros promotores para embasar suas decisões. Ela cita como exemplo cinco processos de alegações finais e outros 15 de rejeição de denúncias com base no argumento de ilegalidade em buscas domiciliares ou pessoais realizadas por policiais, relacionadas ao tráfico de drogas.
Em nota pública de 23 de outubro, a Corregedoria do órgão afirmou que “o motivo real da representação foi a constatação da atuação reiterada do representado em se pronunciar pela rejeição de denúncias de tráfico de drogas ofertadas por outros agentes ministeriais, obstaculizando, de forma prematura, o início da instrução dos respectivos processos criminais, uma vez que a douta Magistrada em exercício naquela vara, sem analisar o mérito, explicita corretamente que o julgador não pode dar início a um processo sem que haja provocação da parte e que não há mais acusação posta”.
Segundo levantamento realizado pela Subprocuradoria-Geral de Planejamento, “há demonstração de que no período entre janeiro/2022 a maio/2023 houve um percentual significativo (cerca de 30%) de rejeição de denúncias de tráfico de drogas na 9ª Vara Criminal da Capital, mediante iniciativa/aquiescência do Dr. Jacson Zilio, cujas exordiais haviam sido ofertadas por vários agentes ministeriais” e que, em Curitiba, existe uma divisão de atribuições entre promotores de Justiça de persecução criminal e outros com atribuições perante as varas criminais, sendo que aqueles que oferecem a denúncia não são os mesmos que atuam na instrução processual.
Defesa sustenta que tem seguido precedentes e corregedora do MPPR avalia "precipitação"
A defesa do promotor reforça que ele apenas tem seguido precedentes recentes das instâncias superiores. Na contramão, a corregedora-geral do MPPR avalia “precipitação” no uso dos precedentes do STJ em casos concretos, antes de iniciar uma instrução processual.
A defesa do Zilio reforça que a Corregedoria não aponta ilegalidades, mas tenta determinar “uma visão jurídica una, homogênea e obrigatória”.
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Procuradoria-Geral de Justiça disse que “a representação foi encaminhada para o Conselho Superior do MPPR, órgão com atribuições para seu processamento e julgamento. O procedimento está tramitando, não cabendo, por ora, adiantamento de juízo de valor, que será oportunamente lançado pelo seu juiz natural, que é o Conselho Superior do Ministério Público”, reforça.
Promotor recebe manifestações de apoio
Desde que o pedido foi formulado pela Corregedoria, há dois meses, o promotor tem recebido manifestações de apoio. Entre eles, do jurista Lenio Streck, que fez carreira no Ministério Público. “Fui membro do Ministério Público por 28 anos. Sempre agi conforme a Constituição! Vejo q o promotor Zilio do Paraná, por agir conforme a CF e o Estatuto de Roma, está sendo punido pelo MPPR. Se eu fosse do MPPR teria sido punido. Várias vezes! Minha solidariedade, Zilio!!”, escreveu ele na rede social X, antigo Twitter.
No último dia 24, o promotor Jacson Zilio republicou, também no X, uma nota de apoio publicada pelo Grupo Prerrogativas. Poucos dias antes, ele postou que “punir um Promotor por seguir a Constituição e os precedentes do STJ” era “claro abuso de Poder, uso da instituição para fins políticos de extrema-direita buscando subverter a ordem constitucional, algo que não é novo no Paraná”. O promotor é doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Pablo de Olavide de Sevilha, na Espanha. Ele também é professor de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Na nota divulgada, o Prerrogativas, grupo formado por juristas, docentes e profissionais da área jurídica, diz que demonstra “preocupação com a independência funcional dos promotores de justiça paranaenses e com a própria imagem de um órgão fundamental à Justiça e que deveria funcionar como um fiscal da legalidade democrática”.
Ainda de acordo com o Prerrogativas, “para além da evidente tentativa de violação à autonomia funcional, uma vez que a medida configura clara ofensa ao dever da Administração de respeitar a independência de cada membro do Mistério Público (em especial, daqueles promotores de justiça que não se limitam a reproduzir acriticamente posicionamentos forjados para agradar a chefia institucional), o texto da representação não só parece aderir ao odioso populismo penal, no qual os significantes 'crime' e 'quantidade de drogas' buscam 'fabricar' medo a ser manipulado com finalidade política, como também revela uma concepção antidemocrática das funções do Ministério Público”.
Para o grupo, a medida adotada pela Corregedora-Geral do MPPR, “além de soar como uma espécie de assédio à independência funcional, ainda tem o efeito perverso de servir de contra-estímulo ao estudo da dogmática jurídica e ao pensamento reflexivo dentro da Instituição” e que o Ministério Público não pode ser mais percebido como um “acusador sistemático alheio ao sistema de limites, obrigações e proibições constitucionais".
Nota pública assinada pela Corregedora-Geral do Ministério Público do Paraná, Rosângela Gaspari:
Diante da notícia veiculada pelo site conjur.com.br, em 18 de novembro de 2023, com o título “Corregedoria do MP-PR pede remoção de promotor por seguir precedente do STJ”, a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado do Paraná formula a presente nota pública, para adequadas elucidações a respeito, nos seguintes termos:
A Corregedoria-Geral representou perante o Conselho Superior do Ministério Público do Paraná para instauração de procedimento de remoção compulsória por motivo de interesse público em face do Promotor de Justiça Jacson Luiz Zilio, titular da 9a. Promotoria de Justiça Criminal da Capital. O motivo real da representação foi a constatação da atuação reiterada do representado em se pronunciar pela rejeição de denúncias de tráfico de drogas ofertadas por outros agentes ministeriais, obstaculizando, de forma prematura, o início da instrução dos respectivos processos criminais, uma vez que a douta Magistrada em exercício naquela vara, sem analisar o mérito, explicita corretamente que o julgador não pode dar início a um processo sem que haja provocação da parte e que não há mais acusação posta. É distorcida a linha interpretativa de que o órgão correicional agiu em razão da invocação de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, pois não se discute tais decisões, mas a precipitação na sua utilização em casos concretos (sem saber se são efetivamente compatíveis), antes do início da instrução processual e da observância do contraditório, com desprezo ao princípio da unidade do Ministério Público e com violação ao princípio da vedação à proteção deficiente. Esta atuação contraria o interesse público, na medida em que impede a segura apuração de imputações de tráfico de drogas, algumas indicando significativa quantidade, como, por exemplo, o depósito de 388kg (trezentos e oitenta e oito quilos) de Cannabis Sativa L, junto com duas balanças de precisão com capacidade para pesar 150kg (cento e cinquenta quilos), cf. autos nº 0003756- 24.2022.8.16.0196, em que o Dr. Jacson Luiz Zilio postulou a rejeição da denúncia cerca de 30 dias após o seu oferecimento por Promotora de Justiça diversa.
A independência funcional não é incorporada à pessoa, mas assegurada com fins à satisfação do interesse público e deve ser sempre coordenada com outros princípios, notadamente com o da unidade ministerial, que não por acaso a Carta Magna alocou dentro do mesmo dispositivo (art. 127, § 1º, da CF: “§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”). A Corregedoria-Geral exterioriza o orgulho da atuação da imensa maioria dos(as) agentes ministeriais do Paraná, que não se furta à correta apuração dos crimes e à punição de seus autores, reconhecendo que a população aguarda adequada resposta estatal. Afinal, a segurança pública é tão relevante que consta no rol dos direitos e garantias fundamentais, tal qual realçou o Ministro Gilmar Mendes recentemente “A Constituição que assegura o direito à intimidade, à ampla defesa, ao contraditório e à inviolabilidade do domicílio é a mesma que determina punição a criminosos e o dever do Estado de zelar pela segurança pública. (….)” (RHC 229514 AgR, Órgão julgador: Segunda Turma, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 02/10/2023, Publicação: 23/10/2023). 6. Finalmente, sigo convicta da necessidade da intervenção pontual do órgão correicional, que busca resguardar o interesse público, ao tempo em que compartilho e agradeço o irrestrito e explícito apoio formalizado por parte do egrégio Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.
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