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A Justiça Federal no Paraná concedeu uma liminar que autoriza a empresa Estre Ambiental a derrubar quase 10 hectares de mata atlântica para ampliar o espaço do aterro sanitário de Fazenda Rio Grande, responsável por receber o lixo coletado em várias cidades da Região Metropolitana de Curitiba, incluindo a capital.
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A questão foi judicializada após o Ibama negar a autorização para o corte da área, e a empresa ter obtido no Instituto Água e Terra (IAT) - órgão vinculado à gestão pública estadual - um documento autorizando o desmatamento na área. Procurado pela reportagem da Gazeta do Povo, o órgão federal disse que pediu a reconsideração da liminar pelo juízo competente.
O aterro recebe cerca de 2,5 mil toneladas de resíduos diariamente, e está com vida útil perto do fim. De acordo com o Consórcio Intermunicipal para Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (Conresol), órgão atualmente presidido pela prefeitura de Curitiba, a capacidade de armazenamento se extinguirá em março. A abertura de uma nova área, feita por meio da derrubada da mata nativa, é a solução a curto prazo apontada para o local.
Juiz determinou caução de meio milhão de reais caso a liminar seja derrubada
Pela urgência, o juiz federal substituto Flávio Antônio da Cruz, da 11ª Vara de Curitiba, concedeu a liminar. Ainda assim, o magistrado determinou que a Estre Ambiental providencie uma caução de meio milhão de reais para “garantia de eventual responsabilização, em caso de revogação da decisão”.
“Há um manifesto conflito entre a necessidade pública de ampliação do aterro, indispensável para o tratamento dos resíduos sólidos da população, e a tutela adequada de vegetação remanescente de mata atlântica e dos animais nela presentes”, avaliou o magistrado, em uma decisão com mais de 300 páginas.
A existência de uma potencial crise sanitária motivou a empresa a procurar o Ibama pedindo a devida anuência para a supressão de trecho de 9,9 hectares da Mata Atlântica para ampliar a área do aterro. Em outubro de 2024, o órgão federal negou o pedido sob a justificativa de que a presença de espécies ameaçadas de extinção, entre outros pontos, inviabilizaria o corte das árvores no local.
Além disso, detalhou o Ibama, a mata nativa tem função protetora, atuando no controle da erosão. Por fim, o órgão federal apontou que justamente no entorno do aterro de Fazenda Rio Grande há a formação de corredores ecológicos em “estágio secundário médio-avançado de regeneração”. Cortar as árvores desta região, portanto, seria uma afronta à Lei da Mata Atlântica, disse então.
“Complementarmente, o Ibama considerou em sua negativa o curto período de seis anos em que o aterro sanitário continuaria a operar após a supressão, bem como a conectividade atual da área com unidades de conservação locais. Frente a estas questões, a Superintendência do Ibama no Paraná manteve o entendimento pela vedação da supressão”, detalha nota enviada pelo instituto à Gazeta do Povo.
Mesmo com negativa do Ibama, IAT autorizou corte da Mata Atlântica
Em dezembro, com a negativa do Ibama no Paraná, a empresa responsável pelo aterro procurou a presidência do instituto federal para tentar reverter o entendimento da superintendência estadual. Em paralelo, iniciou tratativas com o IAT, órgão licenciador do estado do Paraná.
O IAT, por sua vez, autorizou o corte. Tal medida foi recebida “com surpresa” pelo Ibama, uma vez que não houve parecer autorizativo do órgão federal para tal medida. Com a autorização do IAT, a Estre Ambiental deu início aos trabalhos de corte e desmatamento no aterro.
No fim de janeiro, fiscais do Ibama foram até o local, em Fazenda Rio Grande, e constataram que parte da área de Mata Atlântica havia sido cortada. “Frente à ilegalidade, procedeu-se com a interrupção das atividades locais, notificando-se a empresa para que se abstivesse de dar continuidade às ações de supressão, uma vez que o Ibama entende pela não validade da autorização expedida pelo IAT”, explicou o Ibama.
Além do embargo da área, os fiscais do Ibama apreenderam retroescavadeiras, tratores e caminhões utilizados no desmatamento no aterro. O instituto avisou que iria calcular a área total desmatada para apurar o valor de uma eventual multa a ser aplicada contra a empresa. Além disso, o Ibama informou, à Gazeta do Povo, que estudava possíveis sanções contra o IAT.
Para IAT, Ibama só precisava ser informado da decisão
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o IAT confirma que autorizou o corte das árvores para que fosse efetivada a expansão emergencial do aterro sanitário de Fazenda Rio Grande. Segundo o IAT, o Ibama foi comunicado da decisão tomada localmente, e isso é suficiente de acordo com a legislação atual.
“A manifestação contrária em relação ao processo estadual de licenciamento não é vinculante, ou seja, não impede o prosseguimento de ações executadas pela empresa dentro dos limites da autorização. A Procuradoria-Geral do Estado [após consultada pelo instituto estadual] afirma que o IAT tem prerrogativa legal e pode decidir pela autorização da supressão vegetal sem a necessidade de acatar manifestação contrária do Ibama”, segue a nota.
Por fim, o IAT aponta que uma das condicionantes para que a área de mata atlântica fosse cortada no aterro foi a necessidade de a empresa recuperar mais de 30 hectares e preservar outros 21,5 hectares de mata intocada, em um total de mais de 50 hectares. “É um complexo verde cinco vezes superior à supressão do licenciamento. A empresa que administra o aterro já apresentou a área em Mandirituba onde executará as ações ambientais”, conclui o IAT.
Para juiz do caso, decisão foi uma "escolha trágica"
O juiz disse entender que a empresa “parece estar de boa fé”, mas criticou o pouco tempo entre o fim da vida útil do aterro e a data do pedido de liberação do corte da Mata Atlântica ao Ibama, o que gerou o regime de urgência. “Essa é uma escolha trágica. Cuida-se de um típico caso de eleição da decisão menos gravosa, tomando-se tudo em conta. A presente decisão envolve certo desconforto. O ponto é que o tema está submetido ao presente Juízo e não é o caso de aguardar que o estado de fatos evolua. Trata-se de contexto emergencial, em que parece que qualquer decisão seria de algum modo insuficiente”, apontou.
Para o magistrado, o Ibama está correto nas alegações, uma vez que caberia ao órgão federal, de acordo com a Constituição Federal, decidir sobre corte ou supressão de área de Mata Atlântica, “mesmo quando isso se dê no âmbito de um licenciamento estadual”. Por fim, ele ponderou que o indeferimento da liminar tenderia a causar mais problemas do que a concessão da medida.
“Parte da vegetação já foi cortada, segundo relatado pelo Ibama. E a interdição de uso do aterro, ou o seu uso irregular, pode ser fonte de imensos danos ambientais e sociais”, concluiu.
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