Protagonistas da extinta Lava Jato e agora parlamentares, o senador Sergio Moro (União-PR) e o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PL) vão enfrentar dificuldades para avançar com as propostas que encamparam para restabelecer, no país, a prisão após condenação em segunda instância. Na legislatura passada, a medida foi enterrada por vários fatores: uma dobradinha entre esquerda e Centrão, pouco entusiasmo e articulação frágil por parte da direita, e praticamente nenhum apoio do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Agora, mesmo com um novo Congresso em tese mais conservador, o apoio ainda à prisão em segunda instância é incipiente. Moro anunciou que começou a reunir assinaturas para desarquivar um projeto de lei, apresentado em 2018 no Senado, que muda o Código de Processo Penal, para permitir a execução provisória da pena. É necessário o apoio de 27 dos 81 senadores para que o projeto volte a andar, mas até agora só 14 subscreveram o pedido.
Por sua vez, Dallagnol pediu ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a reinstalação de uma comissão especial para analisar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a execução de qualquer sentença em segundo grau, não só em processos penais, mas também cíveis, tributários e trabalhistas.
Toda PEC precisa passar pela análise e aprovação de uma comissão especial, colegiado formado por um grupo restrito de parlamentares, para só depois ser votada no plenário, etapa final de sua tramitação na Casa Legislativa. A que existia para a PEC da prisão em segunda instância foi desfeita com a mudança na legislatura.
Estratégia de Moro é retomar projeto para agilizar tramitação
O primeiro sinal vermelho, ao menos para Moro, apareceu na última quinta (9), quando o próprio Lira adiantou que o tema não deveria ser discutido num projeto de lei comum. “É uma discussão que dá sempre muita polêmica, não pode ser feita por projeto de lei e precisa ser debatida, discutida em plenário”, disse, ao ser questionado pela Gazeta do Povo, durante visita a Cascavel (PR).
Em 2019, foi esse um dos pretextos apresentados por deputados para arquivar a proposta, feita por Moro à época, dentro do chamado “pacote anticrime”. Eles argumentavam que a mudança deveria ser feita por meio de PEC.
Auxiliares de Moro dizem que o desarquivamento é apenas o primeiro passo e que ele, por enquanto, não quer discutir o mérito do projeto. O objetivo é apenas retomar a tramitação do ponto em que parou, para não ter de apresentar uma proposta que tenha de percorrer novamente todo o caminho do processo legislativo: elaboração do texto, escolha de relator, distribuição às comissões do Senado, votação em cada uma delas até o chegar ao plenário.
O PLS 166/2018, que Moro quer desarquivar, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em decisão terminativa (sem necessidade de passar por outras comissões) em dezembro de 2019, na forma de um substitutivo (versão aprimorada), fruto de discussão entre os senadores. As mudanças permitiram certa flexibilidade na execução da pena em segunda instância, permitindo que a medida deixe de ser aplicada em situações mais delicadas.
Proposta prevê exceções se houver chance de absolvição do réu
A proposta, em regra, determina o cumprimento da pena após o julgamento em segundo grau, no qual a culpa foi confirmada por exame dos fatos e provas disponíveis. Mas, caso haja chance de absolvição, anulação, substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito ou alteração do regime de cumprimento de pena para o regime aberto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) poderão suspender o cumprimento da pena, assim que receberem e examinarem, de forma inicial, os recursos que lhe forem apresentados.
Os próprios tribunais de segunda instância – Tribunais de Justiça estaduais (TJs) ou Tribunais Regionais Federais (TRFs) – poderão deixar de mandar executar a pena caso haja uma questão constitucional ou legal relevante que possa levar a revisão da condenação. Isso poderá ser feito por meio de recursos internos ao próprio tribunal, chamados de embargos de declaração.
Pressão popular pode aumentar chances de aprovação
Apoiador do projeto, e senador desde 2019, Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) diz que continua “muito difícil” aprovar o projeto. “Acho difícil como tem sido desde de 2019. Projetos como este ou para o fim do foro privilegiado somente terão chances de aprovação com muita pressão popular”, disse à reportagem.
No Senado, a figura de Sergio Moro ainda desperta desconfiança e repulsa entre os senadores mais antigos, não só por sua atuação como juiz da Lava Jato – que alcançou caciques do Centrão e chefões da esquerda, alguns até hoje na Casa –, mas também como ministro da Justiça de Bolsonaro. Seu rompimento com o governo do ex-presidente em 2020, acusando-o de tentar interferir na Polícia Federal, até hoje não é bem-visto por senadores mais próximos dele.
Ainda paira sobre Moro a pecha de “traidor”, alguém pouco confiável e inábil politicamente, não afeito a acordos e com pouca margem para negociações no Legislativo.
Resistência semelhante sofre Dallagnol entre os pares. Assim que assumiu o mandato, declarou voto em Marcel van Hattem (Novo-RS) para a presidência da Câmara. Ao lado dele e calado, ouviu Lira criticar indiretamente a Lava Jato no discurso que fez ao ser reeleito para o cargo.
“Quem faz errado deve pagar, responder por seus delitos, ou provar a inocência e ter o direito de seguir em frente com a cabeça erguida”, disse Lira – ele foi um dos que conseguiu escapar de investigações e denúncias da Lava Jato que tramitavam no Supremo Tribunal Federal (STF).
Iniciativa de Dallagnol depende de apoio de Arthur Lira
A comissão que ele deseja recriar depende diretamente de Lira. Ex-presidente da comissão, o deputado Aliel Machado (PV-PR), uma das poucas vozes de esquerda que defende e batalhou pela aprovação da PEC da Segunda Instância, acha que Dallagnol pode prejudicar o andamento da proposta. “Ajuda a enterrar, por causa das decisões da Justiça que mostraram falta de imparcialidade da Lava Jato. Por isso, Deltan tem resistência natural dentro do campo político.”
“Além disso, a iniciativa dele é mais para fora do que para dentro. O ideal era tentar uma criar uma frente parlamentar antes, com um grupo de deputados que encampasse abertamente a defesa da PEC, com conversas com o presidente da Câmara, para que de fato pudesse acontecer. Mas ele está falando para fora, jogando para a mídia, como na Lava Jato. Eu era o presidente da comissão e não falou comigo, não houve uma articulação para fazer acontecer”, completa Aliel Machado.
Líderes do Centrão e da esquerda barraram projeto sobre prisão em segunda instância em 2021
O deputado foi escolhido para presidir a antiga comissão da PEC em abril de 2021. Após meses de discussão, ele avançou nas negociações para viabilizar um relatório, redigido pelo antigo relator, Fábio Trad (PSD-MS), que solucionasse todos os impasses e objeções jurídicas à execução das sentenças em segunda instâncias em todos os ramos do direito.
Um dos impactos pretendidos era esvaziar a sobrecarga de processos e o próprio poder do STJ e do STF para julgar tudo que passa pelas demais instâncias, criando filtros mais estreitos para recorrer a esses tribunais superiores.
Em dezembro, com tudo pronto para a aprovação na comissão, partidos do Centrão, independentes e da esquerda trocaram 17 deputados da comissão especial da PEC por outros contrários ao texto. Diante da iminente derrota, Trad optou por retirar seu parecer, para evitar que a PEC fosse enterrada de vez.
“Vendo o cenário que não mais existe, com quem eu trabalhei, não está mais aqui. Com a mudança súbita e repentina, retiro meu relatório e solicito que adie sua análise para outro momento, para que meu relatório não seja derrotado”, disse à época.
As mudanças na comissão foram promovidas pelos líderes de MDB, PSC, Republicanos, PL, PP, DEM, PSDB, Solidariedade, PT, PSB, PDT e Podemos.
Prisão em segunda instância foi grande arma da Lava Jato
A prisão em segunda instância foi uma das grandes armas da Lava Jato contra a impunidade em casos de corrupção. Graças a ela, foram presos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral e dezenas de empresários, lobistas e doleiros condenados na operação.
Praticamente todos foram soltos, exceto alguns que permaneceram algum tempo na cadeia em razão de prisões preventivas – decretadas para evitar novos crimes, fuga ou prejuízo às investigações.
Um dos poucos que permanecia nessa situação era Sérgio Cabral, detido em 2016 por ordem de Moro. No dia 9, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) revogou a última ordem desse tipo, permitindo que ele volte a circular livremente pelas ruas, apesar de condenado em mais de 20 ações a penas que somam mais de 400 anos de prisão.
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