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Crise institucional

Decisão de Gilmar contra impeachment no STF busca anular avanço da direita no Senado em 2027

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Gilmar Mendes, ministro do STF, decidiu monocraticamente que apenas a PGR pode pedir processo de impeachment de juízes da Corte, anulando prerrogativas do Senado e de cidadãos. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

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A decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao estabelecer que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode solicitar o impeachment de ministros da Corte, foi amplamente interpretada como uma reação direta e corporativa à possibilidade concreta de o Senado conquistar maioria conservadora a partir de fevereiro de 2027.

Nas eleições de 2026, estarão em disputa 54 cadeiras — dois terços da Casa — e a expectativa da oposição é de que ao menos 44 delas poderão ser ocupadas por nomes alinhados à direita, que se somarão aos que ainda têm mandato até 2031. Se esse cenário se confirmar, seria possível eleger um presidente do Senado ligado a esse campo político, abrindo caminho para dar andamento a processos de cassação de ministros da Corte, por exemplo.

Desde o fim das eleições municipais de 2024, a direita — sobretudo o PL — intensificou a articulação nacional para maximizar o número de senadores a serem eleitos. A estratégia inclui acordos com líderes locais de direita e de centro-direita, formando chapas de candidatos a senadores e a governador. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu papel central nessas costuras, indicando pré-candidatos e consolidando alianças.

Para o professor de Ciências Políticas Antônio Flávio Testa, a decisão de Gilmar Mendes é arbitrária e denota, antes de tudo, “o seu medo declarado de que o impeachment, classificado erroneamente como abusivo, venha a se tornar rotina” num cenário próximo, com a formação de maioria conservadora no Senado. “O mais surpreendente é falar que uma lei que estabelece maioria simples para se decidir um impeachment é inconstitucional”, acrescentou.

Para o especialista, há “pavor, antes implícito e agora escancarado”, de que decisões dos ministros do STF venham a ser contestadas não mais apenas pelo Congresso, que tem oferecido pouca resistência, mas também por instâncias internacionais. Nesse sentido, ele avalia que pressões do exterior contra excessos cometidos por juízes brasileiros têm surtido efeito.

Autor de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para restaurar a prerrogativa do Senado anulada por Gilmar, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) afirmou que é preciso frisar o temor dos ministros com os senadores que serão eleitos em 2026. "Foi um verdadeiro tapa na cara de todo o Congresso, de toda a população. Não sei por que estão com medo. Quem não deve, não teme. É porque, acredito, tem eleição no ano que vem. Muitos senadores independentes podem estar aqui em 2027", comentou.

Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) salientou que a decisão de Gilmar Mendes tenta evitar a possibilidade de impeachment de Alexandre de Moraes a partir de 2027, caso a direita consiga eleger maioria no Senado. “A vítima [da decisão] é um Poder da República, é um dos pilares da democracia”, afirmou.

Opinião semelhante foi dada pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS). Para ele, a perspectiva de uma maioria conservadora no Senado em 2027 é o pano de fundo da liminar. “Ao considerar uma lei de 75 anos em vigor como inconstitucional, Gilmar deixou clara não apenas a diminuição do poder do Congresso. Ficou ainda mais evidente o medo dos juízes do STF com o perfil do Senado em 2027, na perspectiva de eleição de uma maioria conservadora, capaz de cassar ministros”, destacou Marcon.

Gilmar Mendes comentou nesta quinta-feira (4) a sua decisão sobre o rito do impeachment de ministros do STF. Ele negou que a medida tenha sido pensada para proteger integrantes da Corte e afirmou que só buscou ajustar a norma ao que prevê o texto constitucional.

“Não se trata disso [de proteger a Corte]. Se trata de aplicar a Constituição, é isso que estamos fazendo. Tendo em vista que a lei, de alguma forma, ela já caducou. É de 1950, feita para regulamentar o impeachment no processo da Constituição de 1946. Ela já passou por várias constituições, e, agora, se coloca a sua discussão face à Constituição de 1988”, afirmou.

A declaração foi dada antes da participação em um fórum promovido pelo portal Jota, em Brasília. No evento, ele voltou ao tema ao comentar o volume de pedidos que chegam ao Senado. “Acho que há 50 pedidos de impeachment em relação ao Moraes, 16 em relação ao Dino e assim por diante. São números muito expressivos. Em geral, os impeachments têm alvo e foco nas ações judiciais”, disse.

Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ressaltou que a Lei do Impeachment prevê expressamente a possibilidade de cidadãos denunciarem ministros do STF por crimes de responsabilidade. “Eventuais abusos no uso desse direito não podem levar à anulação desse comando legal, muito menos por meio de decisão judicial”, disse, por meio de nota, na quarta-feira.

“Somente uma alteração legislativa seria capaz de rever conceitos puramente legais, sob pena de grave ofensa constitucional à separação dos Poderes”, disse ainda. “Não é razoável que uma lei votada em duas Casas Legislativas e sancionada pelo Presidente da República seja revista pela decisão de um único ministro do STF”, completou Alcolumbre.

Reações do STF contra avanço da direita no Senado começaram em 2024

A meta declarada da direita é reequilibrar os poderes da República por meio de uma campanha centrada no Senado, já que o artigo 52 da Constituição confere à Câmara Alta do Congresso a prerrogativa exclusiva de admitir e julgar processos de impeachment contra ministros de tribunais superiores e o procurador-geral da República. Hoje, dezenas de pedidos se acumulam na Secretaria da Casa, a maioria contra o ministro Alexandre de Moraes.

O avanço da articulação provocou resistência imediata no STF e no Palácio do Planalto. Além de declarações públicas, ministros da Corte atuaram nos bastidores, telefonando para senadores e governadores de centro e de esquerda a fim de incentivar candidaturas rivais a nomes fortes da direita.

A mobilização para o Senado também engajou as redes sociais e as estruturas partidárias no campo conservador, acentuando disputas internas no PL, como em Santa Catarina.

Projetos já tentaram barrar avanço da direita no Senado ou dos seus efeitos

As reações institucionais foram bem anteriores à liminar de Gilmar Mendes. O líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AP), chegou a apresentar um projeto para alterar o sistema de votação para senadores já em 2026, numa fórmula que beneficiaria partidos de esquerda, mas a proposta acabou arquivada diante da repercussão negativa.

Outra investida articulada entre STF e membros do Senado envolve a proposta de uma nova Lei de Impeachment, coordenada pelo ex-juiz da Corte Ricardo Lewandowski, e atual ministro da Justiça, e relatada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), acenou para a chance de apoiar uma proposta de emenda à Constituição para restabelecer a prerrogativa da Casa no impeachment de ministros do STF, mas também defende a proposta de Pacheco.

Paralelamente, diversos pré-candidatos competitivos da direita passaram a ser alvo de operações da Polícia Federal e de inquéritos no STF, ampliando a percepção de interferência direta no tabuleiro eleitoral.

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Com a medida em vigor desde terça-feira (3) e que deve ser confirmada em breve pelo plenário do STF em votação virtual, a prerrogativa de protocolar no Senado denúncias de crime de responsabilidade contra magistrados de tribunais superiores e o PGR deixa de caber a qualquer cidadão ou parlamentar — algo permitido até então pela Lei do Impeachment (1950).

Além disso, a decisão altera o quórum exigido para que o processo seja admitido: deixa de bastar maioria simples e passa a requerer o apoio de dois terços dos senadores, o que eleva o grau de dificuldade para que processos de impeachment sejam iniciados.

Críticos da medida classificam-na como “blindagem institucional” do STF. Alegam que, por decisão monocrática, a Corte estaria alterando regra prevista em lei e restringindo prerrogativas do Legislativo e da sociedade, o que fragiliza o sistema de freios e contrapesos da República.

Por outro lado, o deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS) opinou que os senadores que têm ou podem ter investigações na Corte estão mais expostos às ameaças de magistrados, sem poder de barganha.

Defensores da decisão argumentam que a mudança evita que o impeachment sirva de retaliação política sempre que há discordância sobre decisões judiciais. Para eles, a legitimidade exclusiva da PGR e o quórum elevado seriam necessários para preservar a autonomia do Judiciário e garantir que divergências de interpretação não levem a afastamentos.

Impacto político da liminar de Gilmar alcança até estratégias eleitorais

Segundo analistas, a prevalecer os efeitos da liminar, eles interferirão nas estratégias eleitorais, sobretudo no que diz respeito às candidaturas da direita para a disputa pelo Senado. A oposição expõe que a eleição de senadores é de alta relevância política e institucional e condição para cessar a perseguição à direita.

Para o cientista político e consultor eleitoral Paulo Kramer, o “golpe dentro do golpe” de Estado representado pela decisão de Gilmar, com impacto comparável ao de um ato institucional do período militar, foi dado especialmente sobre a estratégia da direita para formar nova maioria do Senado na próxima legislatura. O primeiro alvo seria Alexandre de Moraes.

“No regime autoritário anterior, os cidadãos se perguntavam quando os militares voltariam aos quartéis. Neste atual, a pergunta é outra: quando os ministros do STF voltarão ao Judiciário?”, comentou.

Kramer avalia como possível ainda que as ações preventivas de blindagem e autoproteção do STF ainda ganhem novos desdobramentos, caso o Congresso não consiga erguer um contraponto eficaz em tempo hábil. “É possível que a juristocracia reformate regras do jogo para a próxima eleição, restringindo ao máximo o espaço de manobra de candidaturas conservadoras, quer majoritárias quer proporcionais”, sublinhou.

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