O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), encontra na Frente Evangélica do Senado um dos seus principais obstáculos na caminhada rumo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Com 15 integrantes, o grupo heterogêneo responde por cerca de um quinto dos votos em plenário e pode definir a confirmação ou a rejeição da indicação de Dino, caso se mantenha a tendência de placar apertado.
Apesar da agenda de costumes defendida pela frente - formada também por católicos - ter resistências a um nome engajado na esquerda, o maior foco de restrição a Dino advém da forma como ele perseguiu rivais políticos neste ano e, sobretudo, em razão das ameaças que fez à livre manifestação de pensamento nas redes sociais. Para eles, as iniciativas do ministro podem ganhar ainda mais força caso se torne membro do STF.
“O protestantismo presa pela separação entre Estado e religião. Para sermos livres, o poder público não pode interferir sobre o que deve ou não deve ser feito nos templos. É a Constituição que nos garante isso”, disse o senador Carlos Viana (Podemos-MG), que lidera a frente. O parlamentar se refere ao temor de que Dino apoie medidas que restrinjam a liberdade de expressão se chegar ao STF, assim como fez enquanto ministro da Justiça, e que isso possa afetar as igrejas e o discurso religioso.
A Frente Evangélica foi criada em março e é inédita no Senado. Assim que Dino foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o senador se colocou contra a escolha.
Dino tentar desde a semana passada vencer a desconfiança dos senadores conservadores. Para Viana, ele terá uma chance de se explicar na sabatina, agendada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para 13 de dezembro. Mas o parlamentar acha muito difícil que o ministro da Justiça consiga contornar o histórico negativo, que inclui a defesa do Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020), que ainda não foi analisado pela Câmara. O texto foi tirado de pauta justamente devido à reação dos deputados evangélicos, que viram ameaça de censura aos seus discursos e até de trechos bíblicos na internet.
Durante a gestão de Dino no Ministério da Justiça, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado à pasta, impôs ao Google multa de R$ 1 milhão por hora caso mantivesse em destaque na sua página inicial um link que remetia para a manifestação da empresa contrária ao PL das Fake News.
Além de Viana, Cleitinho (Republicanos-MG) também foi um dos primeiros a se colocar contra a indicação de Dino para a Suprema Corte, apontando como grave contradição a possibilidade de um senador conservador apoiar um indicado que se diz “comunista, graças a Deus”. A expressão usada pelo ministro é vista como deboche por religiosos. "Aderi de imediato à campanha contra Dino e aqui não cabe meio termo. É sim ou não”, discursou Cleitinho.
A postura irônica e até arrogante adotada por Dino - que está licenciado do cargo de senador - em sua relação com a Câmara e o Senado é um dos aspectos mais destacados pelos opositores de sua indicação. Em busca de ao menos 41 votos favoráveis entre os 81 senadores, ele tem feito questão de afirmar nos últimos dias que abandonará a persona política caso chegue ao STF. Nesse sentido, um dos primeiros alvos que persegue na campanha de convencimento é justamente os senadores mais próximos de movimentos de igrejas e contrários à liberação das drogas e do aborto.
Eliziane Gama assume tarefa de fazer a ponte de Dino com evangélicos
Para conquistar o apoio de senadores da Frente Evangélica, Dino conta com a colaboração da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), sua principal aliada no Senado. Como evangélica, ela vem fazendo contatos com os parlamentares e se propôs a ser uma ponte entre eles e o indicado de Lula.
A expectativa da parlamentar era agendar um jantar do grupo com o ministro ainda nesta semana, mas ela encontrou dificuldades para confirmar presenças. Uma nova tentativa será feita na próxima semana, poucos dias antes da sabatina. Dentre os integrantes da frente, os senadores católicos Soraya Thronicke (União Brasil-MS) e Jorge Kajuru (PSB-GO) sinalizam voto em Dino.
Na Câmara, a já tradicional Frente Parlamentar Evangélica procura fazer pressão sobre os senadores para não confirmarem a indicação de Dino ao STF, incluindo ações de repúdio nas redes sociais. O vice-presidente do grupo, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), é um dos mais empenhados em combater o nome do ministro. Ele enfatizou a marca de “comunista” de Dino e o risco de se tornar o magistrado da mais elevada Corte do país ainda mais ativista e poderoso do que o ministro Alexandre de Moraes.
Cavalcante é pastor licenciado da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, encabeçada por Silas Malafaia, também próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Malafaia classificou recentemente Eliziane de “comunista travestida de evangélica” e “senadora da injustiça”. Como mencionado, ela tem também conversado com líderes religiosos para quebrar a oposição a Dino. Anteriormente, o esforço dela em favor de Lula durante a campanha presidencial, como articuladora do apoio de evangélicos, foi bem-sucedido.
Além de tentar convencer os evangélicos da “conversão” de Dino de político para magistrado, a senadora também tenta curar cicatrizes deixadas pela derrota de Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), que corria por fora na disputa pela vaga deixada pela aposentadoria de Rosa Weber no STF. Ligado ao PT e membro da Igreja Batista, Messias era o nome preferido de parcela da comunidade evangélica.
Em seu favor, Dino se diz contra ao aborto
Para tentar abrandar parte das críticas do público conservador e religioso, Dino tem evocado o fato de ser "católico praticante" e contrário à descriminalização do aborto. Nesse sentido, ele declarou à imprensa ao longo do ano não ver motivo para se modificar a legislação em vigor sobre o tema. Essa mesma condição favoreceu o advogado Cristiano Zanin, primeiro indicado de Lula para o STF este ano, em junho.
O cenário, porém, agora é diferente e os parlamentares evangélicos e líderes religiosos são os mais dispostos a engrossar as manifestações de rua agendadas para os dias 10 e 13 de dezembro contra a ida de Dino para o Supremo. Para eles, a pressão vinda da base eleitoral dos senadores pode ter o impacto desejado no futuro de Dino.
Grupo cada vez mais influente na política nacional e de tradicional atuação na Câmara, os evangélicos alcançaram neste ano expressividade inédita no Senado. Impulsionados pelas últimas eleições, os senadores eleitos por partidos variados estão agora em número maior e as bandeiras conservadoras trazem para o seu entorno parlamentares de outras religiões por razões de afinidade temática. Eles têm como propósito comum de preservar a liberdade religiosa no Brasil e promover políticas de alcance social.
Composição
Os membros da Frente Evangélica no Senado são:
Carlos Viana (PODEMOS/MG);
Alan Rick (UNIÃO/AC);
Cleitinho (REPUBLICANOS/MG);
Damares Alves (REPUBLICANOS/DF);
Eduardo Girão (NOVO/CE);
Eliziane Gama (PSD/MA);
Flávio Bolsonaro (PL/RJ);
Jorge Kajuru (PSB/GO);
Jorge Seif (PL/SC);
Magno Malta (PL/ES);
Marcos do Val (PODEMOS/ES);
Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR);
Rogerio Marinho (PL/RN);
Zequinha Marinho (PODEMOS/PA);
Laércio Oliveira (PP/SE).
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