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Medida controversa

PGR defende Gaeco Nacional para evitar ‘Lava Jatos’ do futuro

ministério público
PGR prevê implantação de Gaeco Nacional ainda no ano de 2025. (Foto: João Américo/Secom)

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No fim de 2024 a Procuradoria-Geral da República (PGR) começou a dar importantes passos para a criação de um Gaeco Nacional (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) ainda no ano de 2025. No início de fevereiro o tema polêmico voltará à pauta do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF). A Procuradoria afirma, mas sem falar em prejuízos ao combate à corrupção, que o objetivo será tirar de procuradores regionais e de outras forças de segurança setorizadas as atuações e operações que possam levar a grandes forças-tarefas centralizadas, como foi a Lava Jato.

Os Gaecos são grupos de promotores e policiais ligados ao Ministério Público que atuam na prevenção e repressão de organizações criminosas. Nos estados, eles atuam de forma integrada com outras instituições, como o Poder Judiciário, a Polícia Civil e a Polícia Militar. Esses grupos têm como principais atividades identificar ameaças e neutralizar organizações criminosas, reaver valores roubados do patrimônio público, aplicar sanções penais e a Lei de Improbidade Administrativa.

À Gazeta do Povo a Procuradoria-Geral da República disse apenas que a criação do Gaeco Nacional ainda precisa ser aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, mas não deu detalhes de como ele deve operar.

Mas nos bastidores, o assunto é polêmico e gera divergências entre subprocuradores e procuradores. Especialistas alertam para o risco da centralização de poder excessivo em um núcleo nacional. Há riscos à autonomia investigatória, pois os profissionais ficariam vinculados diretamente à PGR, cujo procurador-geral é indicado pelo presidente da República.

“Um grupo central que tenha vínculo direto com a cúpula do governo federal e que tenha acesso a todas as informações e denúncias de todo o país. Parece muito conveniente [para o governo]”, alerta o especialista em segurança pública, Sérgio Leonardo Gomes, que operou no sistema federal de investigação contra organizações criminosas.

A PGR diz que o Gaeco Nacional deve nascer com foco no combate ao crime organizado, suas ramificações e infiltrações no Estado. O projeto está sob a relatoria do subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia e o objetivo seria o do combate unificado às organizações criminosas com a criação de uma estrutura fixa de procuradores que vão se dedicar, de forma exclusiva, a investigações consideradas complexas.

O foco dessas investigações de um Gaeco Nacional deve recair sobre crimes contra o Estado Democrático de Direito, terrorismo ou graves violações aos direitos humanos. O combate à corrupção não aparece listado como prioridade.

O vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand, que pode ser indicado como coordenador do Gaeco Nacional, defende a medida ao afirmar que a estrutura é importante no combate ao crime organizado no país e à infiltração de criminosos no Estado. Ele opina que, no momento, o Estado e as organizações não estão preparados à altura para enfrentar o problema.

Em uma entrevista à CNN na qual falou sobre a estrutura, Hindemburgo Chateaubriand disse que investigações mais amplas e com potencial maior poderão ser tratadas “de maneira mais eficiente quando se abandona o olhar individual do procurador da República [local] e passa a atuar a partir de um grupo especializado criado de acordo com a regra da instituição e sob o comando do procurador-geral da República [Paulo Gonet]”.

Para o subprocurador, “a experiência é acumulada pelo grupo e não pelas pessoas”, ao fazer menções indiretas às conduções da operação Lava Jato.

Subprocurador alerta que Gaeco Nacional teria mais poderes que o próprio PGR

Dentro do colegiado, há subprocuradores que não concordam com a criação. Em agosto de 2024, o Conselho Superior do Ministério Público Federal fez uma sessão extraordinária na qual iniciou a votação do projeto que cria o Gaeco Nacional. Mas os debates foram interrompidos por um pedido de vista do subprocurador-geral da República, Carlos Frederico.

O tema voltou à pauta em dezembro e será retomado no início de fevereiro. Na ocasião, Frederico chegou a questionar o grupo, que se apresenta como apoio “mas tem atividade de execução”. Ele afirmou que todos os procedimentos de investigação precisam estar subordinados a um juízo, ou seja, a um juiz, o que não ocorreria com o Gaeco Nacional.

“Como um órgão que se diz de ofícios especiais vai fazer execução, se tem como grupo de apoio e na realidade está fazendo execução, está uma salada, fizeram um sopão que ninguém entende. (...) Isso é um risco enorme ao Ministério Público Federal institucional. Da forma como ele está sendo proposto é de uma latitude tão grande, como é que se fiscaliza o trabalho de um grupo como este? Somente pela nomeação e designação?”, questionou o subprocurador.

Para Frederico, o Gaeco Nacional passaria a ter um poder maior que do próprio Procurador-Geral da República e com um agravante: sem fiscalização clara e objetiva. “Por isso se separa inteligência de execução. Inteligência com execução só funciona no regime nazista”, afirmou.

A execução corresponde à implementação prática das ações como prisões, buscas, apreensões e o cumprimento de mandados judiciais baseadas nas informações obtidas pela inteligência.

O serviço de inteligência identifica o "o quê" e "quem" e a execução trata do "como" e "quando". Esses serviços integram um ciclo investigativo, mas a inteligência precisa fornece informações às bases operacionais os mecanismos para a execução, ou seja, cada um faz o seu trabalho.

Entre os que apoiam a implantação do Gaeco Nacional, a ideia é que o grupo possa operar nos moldes de trabalho de outros núcleos nacionais no compartilhamento de informações, como o de crimes cibernéticos e do tráfico de imigrantes.

Especialistas, no entanto, fazem alertas sobre o risco que o núcleo pode representar com a centralização do poder nas mãos de um grupo de investigação ou ainda divergências às competências investigadoras.

“Pouco se sabe ainda sobre o Gaeco Nacional, mas será que todos os procuradores do país terão de se reportar à estrutura para iniciar ou dar prosseguimento a qualquer apuração mais ampla e gravosa? O Brasil é imenso e não são raros os casos de corrupção ou do crime organizado infiltrados no Estado. Me parece mais uma medida de centralização de poder do que de segurança jurídica propriamente dita”, avalia o cientista político, especialista em segurança Marcelo Almeida.

A justificativa do MPF seria a de auxiliar o procurador na ponta, ou seja, os procuradores regionais, na apuração geral de investigações que possam ser estendidas fazendo com que a procuradoria esteja ciente das investigações, não tendo apenas que opinar sobre elas no momento do oferecimento de denúncias ou indiciamentos, sem conhecimento aprofundado dos casos.

Especialista alerta para risco de disputas de competências ou retrabalho nas investigações

Para o advogado Alex Erno Breunig, todo instrumento para combater o crime organizado e a corrupção é válido, mas há critérios a se analisar. “O cuidado que se deve ter é de não iniciar uma disputa por competências. Isso pode gerar retrabalhos e questionamentos judiciais, com eventuais invalidações de provas”, afirmou.

O advogado diz ainda que outro ponto é saber de quais entidades serão retirados os efetivos que prestarão serviços no novo órgão. “Provavelmente das PMs, das Polícias Civil e da Polícia Federal. Isso onera as polícias e, na minha visão, é inconstitucional, pois os Gaecos são órgãos permanentes, sendo assim deveriam criar um quadro próprio para suprir suas necessidades sob pena de estarem burlando a exigência de concurso público”, disse.

Na avaliação do especialista em segurança pública, Sérgio Leonardo Gomes, a criação da estrutura é uma “desculpa” para supostamente dar força investigatória a procuradores. “Como grandes estrategistas do passado já diziam, conhecimento é poder, e tendo um ente central para conhecer, desde a denúncia, tudo o que está prestes a ser investigado no país, deixa o governo federal ciente quando qualquer esquema criminoso envolvendo prós ou contras virem à tona. Me parece mais uma medida de controle por medo do que algum Gaeco independente e autônomo possa se intrometer onde não deva”, disse Gomes, que é ex-policial rodoviário federal.

Gomes ponderou, no entanto, que o Gaeco Nacional pode funcionar. Mas desde que contemple alguns requisitos. Entre eles estão manter a independência e a autonomia do Ministério Público e não sofrer interferência do Executivo nem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo ele, a indicação dos coordenadores do órgão também deve ser feita por membros do MPF. Além disso, os Gaecos regionais teriam que continuar atuando independentemente, sem submissão ao Gaeco Nacional.

Mas o especialista avalia que essas são muitas diretrizes e fatores a se considerar para que funcione de fato e de direito.

Casos acompanhados pelo Gaeco Nacional podem ser escolhidos a dedo

Em tese, pela proposta prévia apresentada em agosto do ano passado e que será retomada no início de fevereiro, não são todos os casos que passarão a ser acompanhados pelo Gaeco Nacional e eles poderão ser definidos arbitrariamente. Também não há detalhamentos nem aprovação dos critérios dos casos que passariam a ser direcionados ao grupo.

Esse modelo de acompanhamento está em análise pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Caberá ao procurador-geral a escolha do subprocurador que vai comandar o Gaeco Nacional, mas há um debate interno, no Conselho, da necessidade do nome passar pelo crivo do colegiado. Outras questões em aberto são o período de vigência do mandato ou possível revogação do comando do líder das operações.

Segundo o subprocurador Carlos Frederico, que é contrário à criação do Gaeco Nacional da forma como foi posta, existem Gaecos em operação com apoio ao MPF em diversos estados brasileiros. Eles começaram a funcionar em 2020, mas parte deles tem sofrido reduções de integrantes. Por isso, Frederico se diz favorável a dar melhor estrutura às unidades locais já existentes em vez de se criar uma megaestrutura em âmbito nacional, com poderes ainda indefinidos e sem detalhes de como será fiscalizado. “E por que não se aposta em resultados [dos Gaecos existentes]? Os resultados já estão vindo destes Gaecos locais.”

O subprocurador defendeu a instrumentalização das estruturas criadas e mecanismos que possam evitar retrabalho nos sistemas de investigação, como sistemas de compartilhamento de informações, com critérios técnicos e acesso restrito. Esses sistemas podem dar um alerta quando um mesmo indivíduo for investigado em mais de um estado ou região. “Sem ter o risco de criar uma estrutura dessas, enorme, hipertrofiada, de investigação estrutural que não sabe quem será investigado por ela nem quem vai investigar e apurar o trabalho do grupo”.

Frederico também acredita que a partir do Gaeco Nacional possa haver um desmonte dos Gaecos locais que estão funcionando bem e que precisam apenas de melhor estrutura administrativa.

Apesar das divergências sobre o tema, o advogado Alex Erno Breunig acredita que se houver estrutura suficiente e não esbarrar em problemas legais, o Gaeco Nacional pode ser um instrumento interessante no combate e no avanço ao crime organizado nas instituições de Estado. Ele também avalia que, para dar certo, não pode haver interferência governamental.

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