Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Longe da anistia

Redução da pena de Bolsonaro e de réus do 8/1 pode ser menor e dependerá do STF

Jair Bolsonaro
Com mudanças na dosimetria, Jair Bolsonaro ficará em regime fechado cerca de dois anos e quatro meses. (Foto: André Borges/EFE)

Ouça este conteúdo

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (10), o PL da Dosimetria, que altera a forma de cálculo das penas e prevê a redução, em tese, das punições impostas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro e também do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros ex-integrantes do governo acusados de tentativa de golpe.

Se o texto for aprovado pelo Senado e ser sancionado, a a nova lei possibilitará aos réus pedirem um novo cálculo de suas penas com base em regras mais benéficas. O pedido, de qualquer modo, deverá ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs as condenações e optou, nos julgamentos, pelas penas mais severas.

O especialista em Direito Penal Matheus Herren Falivene explica que o PL proíbe a soma das penas para os crimes de tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos de prisão) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos) e determina a aplicação do concurso formal próprio, modelo em que se utiliza a pena do crime mais grave com um acréscimo definido pela Justiça, em vez do acúmulo material usado até hoje.

“Isso muda drasticamente o cálculo final, porque deixa de existir a soma das penas. Você pega o crime mais grave, aumenta a pena dentro de uma fração e pronto. Essa alteração pode reduzir de forma significativa as condenações dos envolvidos no 8 de janeiro e do ex-presidente Bolsonaro”, afirma.

Nesse caso, o crime de golpe de Estado, por ter a pena mais alta, passa a absorver o delito de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que até então era somado ao cálculo final.

Além disso, o texto cria uma regra de progressão de regime mais rápida, permitindo a saída do regime fechado após o cumprimento de um sexto da pena, em vez do atual patamar de um quarto.

O projeto da dosimetria também formaliza um mecanismo de abatimento de pena para condenados que cumpriram período de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.

Mas a redução exata da pena para cada condenado ainda dependerá de revisão judicial individual, já que o acréscimo aplicado ao crime remanescente — após a absorção — será definido pelo magistrado responsável. Ou seja, caberá ao STF determinar com exatidão qual será a pena de cada um.

VEJA TAMBÉM:

Como fica o cálculo da pena de Bolsonaro

No caso de Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão por cinco crimes, a nova regra já eliminaria automaticamente os seis anos e seis meses referentes à abolição violenta do Estado Democrático de Direito, pois essa pena seria absorvida pelo crime mais grave.

De acordo com os cálculos apresentados pela equipe do relator da dosimetria, Paulinho da Força (Solidariedade), caso o projeto seja sancionado e a progressão considerada, Bolsonaro cumpriria cerca de dois anos e quatro meses em regime fechado antes de migrar para outro regime.

Na decisão original do STF, a pena do ex-presidente é de 24 anos e nove meses de reclusão — que obrigatoriamente iniciava no regime fechado — e mais dois anos e seis meses de detenção, típicos dos regimes semiaberto ou aberto.

Como qualquer condenado, ele também poderá reduzir o tempo total por meio de trabalho ou estudo, de acordo com a Lei de Execução Penal, que permite descontar um dia da pena a cada três dias de atividade laboral. Somam-se ainda os períodos já cumpridos, por meio da detração penal, incluindo o tempo de prisão domiciliar imposto após violação de medidas cautelares.

Antes do início da execução definitiva da pena, Bolsonaro passou meses em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica, desde 4 de agosto, após descumprir restrições judiciais relacionadas ao uso de redes sociais. Nessa fase, além da monitoração eletrônica, teve circulação limitada, ficou impedido de receber visitas e teve o celular apreendido — condições que, caso o PL seja sancionado, poderão ser parcialmente computadas no abatimento da pena.

Segundo o constitucionalista Alessandro Chiarottino, hoje, Bolsonaro teria de permanecer seis anos em regime fechado; com o novo cálculo, esse período cai expressivamente, dependendo da fração aplicada. “Ou seja, não há “perdão”, mas há uma alteração no tempo de reclusão em regime fechado”, destaca.

Assim, uma estimativa é de que a pena inicial de Bolsonaro cairia para algo perto de 20 anos e nove meses. Somando o período que ele já cumpriu em prisão domiciliar e o tempo estimado para a progressão de regime, Bolsonaro ainda teria cerca de 17 anos para cumprir no semiaberto e no aberto. Mas esse cálculo não é exato, pode ser reduzido pelas condicionantes citadas acima, e depende da revisão feita ainda pelo STF.

A dosimetria, porém, não se aplicaria apenas ao ex-presidente: outros condenados por participação na suposta trama golpista também poderão solicitar revisão.

Entre eles estão Alexandre Ramagem, deputado federal que deixou o país e está nos Estados Unidos; e outros que já estão presos como Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-chefe do GSI; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, preso no Rio de Janeiro desde dezembro de 2024.

“Embora o projeto não represente uma anistia, ele remodela profundamente o cálculo das penas, impondo ao Judiciário a tarefa de reavaliar cada condenação sob as novas regras, o que pode levar a reduções substanciais no tempo de prisão efetivamente cumprido”, destaca o criminalista Márcio Nunes.

Deltan Dallagnol, ex-procurador da República, ex-coordenador da Operação Lava Jato, ex-deputado e hoje embaixador nacional do partido Novo, avaliou que o PL da Dosimetria foi apenas “o avanço possível” para a direita, ao mesmo tempo em que representou, segundo ele, uma vitória do STF — que teria bloqueado a anistia ampla, limitado os efeitos da mudança para Jair Bolsonaro, que continuaria preso em regime fechado, e influenciado diretamente a articulação política que definiu o texto aprovado.

VEJA TAMBÉM:

Texto não extingue penas, não concede anistia nem elimina acusações

O PL da Dosimetria — aprovado por 291 votos a 148, com uma abstenção — não extingue as penas, não concede anistia e tampouco elimina os crimes pelos quais os acusados foram condenados. Ainda assim, altera a forma de cálculo das penas, o que reduz o período de prisão efetiva em regime fechado.

Entre opositores ao governo e aliados de Bolsonaro, a avaliação é de que essa foi “a versão possível” para ser aprovada e que a luta pela anistia continua. Já governistas e setores da esquerda criticaram a mudança e afirmaram que ela enfraqueceria a responsabilização por crimes contra a democracia.

Até agora, o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal (STF) especialmente nas decisões do ministro Alexandre de Moraes — era de que, nos casos da tentativa de golpe, as penas referentes aos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito deveriam ser somadas. Foi esse mecanismo que levou Bolsonaro à pena total de pouco mais de 27 anos e que resultou em condenações longas para outros réus do 8 de janeiro.

“O PL altera essa lógica, quando os dois crimes forem cometidos no mesmo contexto, deixa de haver soma das penas, passando a valer a regra do concurso formal de crimes — ou seja, aplica-se apenas a pena do delito mais grave, com acréscimo de um sexto até a metade, fração que deverá ser definida pelo Judiciário”, descreve Nunes.

Há ainda outro ponto do projeto que pode ocasionar alteração das penas: a criação de um mecanismo de redução de pena para delitos praticados em contexto de multidão, com possibilidade de diminuição entre um terço e dois terços. Falivene explica que esse dispositivo deverá ser aplicado pelo STF em revisões criminais ou na etapa de execução penal, já que se trata de uma lei mais benéfica — e, portanto, retroativa. “Se aprovado, esse conjunto de mudanças pode provocar reduções bastante expressivas das penas em todos esses casos”, avalia.

Para o especialista, o impacto jurídico do PL da dosimetria é profundo e imediato. “É um projeto que, se virar lei, muda o modo como o Judiciário tem atuado nesses processos e reabre caminho para revisões amplas das condenações”.

Já Chiarottino ressalta que a mudança é ainda mais impactante para os réus que já cumprem pena pelos atos contra as sedes dos Três Poderes. “O PL da dosimetria estabelece que a progressão de regime ocorrerá após o cumprimento de um sexto da pena, e não mais de um quarto, como ocorre atualmente. Além disso, prevê redução de um terço a dois terços para condenados que tenham agido em contexto de multidão, desde que não ocupassem posição de liderança nem tenham financiado os atos”, completa.

Com essa nova fórmula, muitos condenados poderão deixar o regime fechado antes do previsto. Mas, após a aprovação da lei pelo Senado e eventual sanção presidencial ou derrubada de veto pelo Congresso, a sua aplicação não será automática. Caberá às defesas solicitarem a redução de penas ao Judiciário, que por sua vez terá de proceder de forma individualizada os cálculos a partir das novas regras. Seriam precisos então mais alguns meses até a soltura.

“Ainda assim, temos no meio do caminho o Supremo Tribunal Federal. Se a pauta for levada à Corte, ela pode avaliar se é ou não inconstitucional”, lembra o doutor em Direito Luiz Augusto Módolo.

Sobre esse ponto, Paulinho da Força, relator do PL da dosimetria na Câmara, afirmou que tem acordo no Senado e no Supremo para não derrubar o texto. Segundo o deputado, se houvesse resistência dentro da Corte, ele já teria sido alertado.

“Tenho uma relação lá e imagino que, se tivesse alguma reação, teriam me chamado. Então estou tranquilo porque não me chamaram. Se eles (STF) não reclamaram, é porque concordaram”, disse o relator.

VEJA TAMBÉM:

A dosimetria e os condenados do 8 de janeiro

A redução das penas prevista na dosimetria não se limita a figuras de maior projeção política, como Jair Bolsonaro, mas alcança todos os condenados pelos atos do 8 de Janeiro. Paulinho da Força citou explicitamente o caso de Débora Rodrigues dos Santos, conhecida por escrever “perdeu, mané” em uma estátua do STF com batom, para reforçar que o texto não faz distinção entre réus de maior e menor relevância dentro da investigação. Débora cumpre neste momento prisão domiciliar.

Segundo o deputado, todos os condenados terão suas penas recalculadas sob os mesmos critérios, incluindo a aplicação do concurso formal de crimes e o reconhecimento do período cumprido em prisão domiciliar ou sob monitoramento eletrônico — algo que, até então, não era aceito pelo Supremo.

“No caso de pessoas condenadas a 17 anos, como muitos casos, e com o cumprimento de um sexto da pena, muitos terão o direito de deixar a prisão muito em breve, o que pode ser o caso da Débora, por exemplo”, destaca Márcio Nunes.

Segundo o relator, não há necessidade de citar beneficiários caso a caso, porque, uma vez reduzida a pena-base pelo novo método de cálculo, “vale para todos”, variando apenas conforme o tempo já cumprido e a fração definida pela Justiça para cada condenado.

Ao apresentar o relatório, Paulinho da Força insistiu que a proposta não configura anistia, respondendo a uma preocupação entre parlamentares do Centrão que apoiaram o texto: evitar a imagem de que o Congresso estaria apagando crimes contra a ordem constitucional. “As pessoas continuarão pagando por seus crimes”, disse o relator.

A argumentação é de que o PL não elimina condenações já impostas, não apaga antecedentes e não impede futuras punições; apenas modifica a matemática penal aplicada quando há mais de um crime cometido no mesmo contexto.

VEJA TAMBÉM:

Direita diz que dosimetria é mais do que um ajuste técnico

Para a direita, o PL da dosimetria não foi apenas um ajuste técnico: foi um caminho necessário. Aliados de Bolsonaro afirmam que o texto da dosimetria representa o “máximo do possível” diante da atual composição do Congresso, mas que ainda irão tentar a aprovação da anistia no futuro.

“A aprovação uniu a oposição contra o que consideram “exageros” do STF nas condenações, mas sem avançar para uma anistia ampla, que seria inviável politicamente”, analisa o cientista político Gustavo Alves.

Já no campo governista e na esquerda, as críticas foram intensas. Parlamentares afirmaram que o PL “desidrata” as condenações e enfraquece a resposta institucional aos atos de janeiro de 2023. Para eles, mudar a regra agora, com réus já condenados, representa um recuo no combate a ações que chamam de "golpistas". Um setor expressivo da base de Lula considera que o PL da dosimetria atendeu diretamente aos interesses de Bolsonaro.

“Juristas alinhados ao governo argumentam que o concurso formal não se aplicaria aos casos de 8 de janeiro, já que, segundo o STF, houve pluralidade de condutas distintas nos crimes atribuídos a Bolsonaro e demais acusados, por isso, acredito que o tema possa chegar ao STF”, completa Módolo.

Apesar da aprovação expressiva na Câmara, o futuro do PL da dosimetria agora depende do Senado, onde o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), já anunciou que pretende votar o projeto ainda em 2025. O texto deve passar pela CCJ e depois ir a plenário. Se o texto passar, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar integral ou parcialmente. Eventuais vetos poderão ser derrubados pelo próprio Congresso.

“Só depois disso o Supremo poderá recalcular oficialmente as penas, o que definirá, com precisão, quanto tempo Bolsonaro e demais condenados permanecerão em regime fechado”, lembra Márcio Nunes.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.