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Por Leonardo Corrêa*
Ser republicano é uma recusa. Uma recusa serena, mas irredutível. É dizer “não” ao encantamento com o poder. É desconfiar — até quando a toga brilha, até quando o discurso é belo, até quando a causa parece justa. É olhar para o Estado com a sobriedade de quem sabe que toda estrutura de poder, quando não contida, se volta contra o cidadão. E que a liberdade, ao contrário do que dizem os arautos do presente, não nasce da vontade da maioria, mas dos limites que se impõem a todos — inclusive (e sobretudo) aos que mandam.
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Ser republicano é tratar o texto da Constituição como se fosse sagrado. Não porque ele seja perfeito, mas porque é ali que se firmou o pacto: um limite escrito, público, verificável — contra a tentação permanente de reescrevê-lo conforme os ventos do momento. É saber que quando tudo pode ser reinterpretado, nada está protegido. E onde nada está protegido, tudo pode ser confiscado: a propriedade, a liberdade, a palavra.
Ser republicano é não esquecer que o poder, quando não limitado, corrompe. E que a única forma de impedir que ele nos devore é prendê-lo — com algemas de texto, de método, de contenção
Ser republicano é preferir a contenção à eloquência, o método ao moralismo, o direito ao desejo. É dizer, como Barnett, que os direitos vêm antes do governo. Que o Estado existe para proteger, não para modelar. Que a Constituição foi feita contra quem governa, não para lhe servir de ornamento.
É também um gesto de humildade hermenêutica. O juiz republicano não se vê como voz da história nem como intérprete dos desígnios do progresso. Ele sabe que seu ofício não é moldar a sociedade, mas limitar os impulsos de quem quer fazê-lo à força. Seu poder não está em inovar — mas em conter. Sua virtude não está em criar — mas em obedecer.
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E ser republicano, talvez acima de tudo, é crer que a liberdade se protege à luz do sol. É preferir o debate público, submetido ao escrutínio dos indivíduos, aos convescotes feitos na penumbra da democracia. É desconfiar dos consensos murmurados a portas fechadas, dos pactos silenciosos entre iluminados, das soluções fabricadas fora do olhar do povo. O republicano acredita que as decisões que importam — sobre a lei, a justiça e a liberdade — devem ser expostas, discutidas, contestadas. Não porque a maioria tenha sempre razão, mas porque só sob o olhar vigilante dos cidadãos é possível conter os que se julgam donos da verdade.
Ser republicano é ter memória. É lembrar que as maiores tragédias políticas começaram com juízes virtuosos, que se julgaram autorizados a proteger o bem, mesmo às custas da liberdade. É lembrar que o autoritarismo raramente entra em cena com botas — às vezes, chega de toga, citando princípios vagos e valores “imprescindíveis”. Mas o verdadeiro compromisso com a civilização não é com os valores do momento, e sim com os direitos do indivíduo — que não dependem da maioria, da moral do dia, nem da narrativa hegemônica.
Ser republicano é não esquecer que o poder, quando não limitado, corrompe. E que a única forma de impedir que ele nos devore é prendê-lo — com algemas de texto, de método, de contenção. Essa é a verdadeira coragem de um jurista: obedecer.
*Leonardo Corrêa – Advogado, LL.M pela University of Pennsylvania, sócio de 3C LAW | Corrêa & Conforti Advogados, um dos Fundadores e Presidente da Lexum.





