Sem um prazo gestacional máximo previsto em lei para realização do aborto nas situações não punidas pelo Código Penal — estupro ou risco à vida da mãe —, abortistas têm incentivado a busca pelo procedimento em qualquer momento da gravidez, como ficou claro esta semana no estado de São Paulo. O incentivo tem ocorrido até mesmo quando o bebê tem mais de seis meses e já é viável fora do útero, ou seja, poderia nascer e ser encaminhado para a adoção se não existir risco para a vida da mãe.
Em uma decisão do Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) emitida na última quarta-feira (17), o juiz Adler Batista Oliveira Nobre determinou retomada da realização de “abortos legais” sem limitação de idade gestacional no Hospital e Maternidade de Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital.
A unidade havia interrompido a realização do procedimento em dezembro de 2023 sob argumento de que seriam “realizadas no local cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher", de acordo com nota da Prefeitura de São Paulo enviada à Gazeta do Povo.
No entanto, o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) da Defensoria Pública abriu processo contra o Estado, e o juiz do caso solicitou retomada dos trabalhos com “busca ativa” por pacientes que tiveram seu procedimento cancelado.
“Só que não existe o direito de realizar o aborto em nosso país, então o fato de propor a busca ativa de gestantes para isso é atentar contra os direitos fundamentais do nascituro, que protegem a vida da criança”, afirma a advogada Lília Nunes dos Santos, mestre em Direitos Humanos.
“E já imaginaram o peso do telefonema de um funcionário da Prefeitura chamando a gestante para fazer um aborto?”, completa a advogada e ex-deputada estadual por São Paulo, Janaina Paschoal. “Esse chamado pode soar como uma ordem, principalmente por citar que não há limite temporal”, alertou em entrevista à Gazeta do Povo nesta sexta-feira (19).
Segundo ela, o Artigo 128 do Código Penal não cita o prazo máximo para realização do procedimento nos casos excepcionais em que a interrupção da gravidez não é punida. Com isso, “médicos podem ser constrangidos a interromper gestações de seis, sete ou oito meses, matando bebês prontos para nascer”, alerta a advogada, ao citar que países como Alemanha, Chile e Uruguai possuem esse prazo estabelecido entre 12 e 14 semanas.
No Brasil, frequentes publicações do Ministério da Saúde indicam o tempo de 22 semanas. A última sobre o tema foi retirada do ar pelo governo Lula no início do seu governo em janeiro de 2023 (leia o documento aqui). O texto abolido indica, como outros, que do ponto de vista médico não há motivo para o aborto quando a criança pode sobreviver fora do útero. Mesmo assim, quando for necessária a interrupção da gravidez, “esta não deve ser precedida de morte fetal”.
Leia também: Como o MPF e a imprensa apoiaram o aborto de um bebê de sete meses
Entendimento do termo “aborto”
Para a doutora em Microbiologia e Imunologia Lenise Garcia, é importante analisar o entendimento do termo “aborto” que, tecnicamente, só pode ser realizado quando a criança ainda é inviável fora do útero. De acordo com ela, isso ocorre até por volta de 20 ou 21 semanas.
“Depois, o que temos é o nascimento prematuro”, afirma, explicando que o uso de substâncias como a injeção de cloreto de potássio no coração da criança, por exemplo, mata o bebê que teria condição de viver fora do útero. “Inclusive, há muitos casais desejando adotar um recém-nascido, então qual seria a justificativa para optar pela morte dele?”, questiona a cientista, que também é presidente do Movimento Brasil Sem Aborto.
Outro ponto, segundo ela, é que o procedimento com tempo avançado de gestação também coloca em risco a saúde da mulher, que precisará passar pelo parto de um feto morto, dificultando o parto normal ou trazendo os riscos de uma cesárea. “Sem falar da questão psicológica quando a mulher se der conta do que efetivamente fez, o que trará um sofrimento muito grande”, finaliza.
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