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Ativismo ideológico

3 abusos do Ministério Público no caso Canção Nova 

MP-SP tenta afastar membros da comunidade católica Canção Nova da Fundação João Paulo II e nomear um interventor judicial. 
MP-SP tenta afastar membros da comunidade católica Canção Nova da Fundação João Paulo II e nomear um interventor judicial. (Foto: Leonardo Marques / Arquivo / ASCOM/MCTI)

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Nas últimas semanas, vieram à tona novos desdobramentos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra a Fundação João Paulo II, entidade mantenedora do Sistema Canção Nova de Comunicação, nome este que reúne as emissoras de rádio, TV, plataformas na internet e editoras ligadas à Comunidade Canção Nova (CN), que é uma “comunidade de vida” (similar a uma congregação religiosa) sem fins lucrativos.  

No dia 4 de fevereiro, o juiz Gabriel Araújo Gonzalez, da 1ª Vara da Comarca de Cachoeira Paulista, rejeitou, em liminar, a petição do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para afastar membros da comunidade católica Canção Nova da Fundação João Paulo II e nomear um interventor judicial. 

A promotora de justiça Marcela Agostinho Gomes Ilha, do MP-SP, havia requerido o afastamento de membros da comunidade Canção Nova do conselho deliberativo da Fundação João Paulo II. Motivou-a, sobretudo, o fato de o conselho ter decidido, sem a presença de representante do MP, pela suspensão do afastamento de alguns colaboradores acusados de “assédio moral”. Em reunião anterior, com a presença do MP, o conselho já havia decidido pelo afastamento deles, voltando atrás na reunião seguinte por entender que os acusados não teriam tido direito ao contraditório e à ampla defesa. 

O Ministério Público viu nisso uma ingerência indevida (dos conselheiros vinculados à Canção Nova) nas decisões da Fundação João Paulo II e apontou, ainda, para repasses supostamente irregulares de recursos da Fundação para a CN, além de outras indistinções entre as duas entidades que caracterizariam “desvio de finalidade” da fundação. Para a promotora, isso justificaria a intervenção, com consequente substituição dos membros da CN que estão no conselho deliberativo da Fundação por outros sem vínculo direto com aquela comunidade católica. 

Padres e outras lideranças da Canção Nova, inclusive o sacerdote presidente de ambas as entidades, foram a público prestar esclarecimentos aos fiéis e falaram em uma tentativa do MP de “laicizar” a comunidade católica. Na liminar que indeferiu a petição do Ministério Público, o juiz Gonzalez marcou uma audiência de conciliação para 25 de março entre diretores da Fundação João Paulo II e o MP-SP, a fim de buscarem uma solução dialogada.  

O mesmo juiz havia, anteriormente, negado à Fundação João Paulo II o pedido de manter em sigilo o processo, alegando interesse público. Após a liminar do dia 4, o Ministério Público declarou intenção de recorrer da decisão. 

Deixando de lado as disputas internas entre membros da Fundação e da Canção Nova que parecem compor o pano de fundo de toda essa situação, advogados consultados pela Gazeta do Povo apontam que o papel assumido pelo Ministério Público no caso é questionável e fere sua devida função constitucional.  

A rigor, “o órgão ministerial atuou dentro de sua competência legal” ao instaurar o inquérito civil que levou à petição, no parecer de Silvana Neckel, advogada civil e canônica, diretora institucional do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR). De acordo com ela, “o Ministério Público exerce a função de fiscalização sobre as fundações, podendo adotar medidas para corrigir irregularidades ou desvios específicos, nos termos do artigo 66 do Código Civil.” 

No entanto, as suspeitas de que o MP estaria pretendendo descaracterizar, “laicizar” ou “tirar a finalidade de evangelização” da Canção Nova não são totalmente desprovidas de bom senso. Tem se tornado bastante comum, para o brasileiro, ver o Ministério Público sendo usado como "cavalo de batalha" em favor de pautas “progressistas” e bandeiras levantadas por partidos políticos de esquerda, na linha de um verdadeiro ativismo ideológico por parte de um órgão que, em tese, deveria zelar pela defesa da ordem jurídica, do interesse público e do bem comum.  

Até mesmo o espúrio papel de “polícia ideológica” parece ser desempenhado pela instituição, em muitos casos, para perseguir vozes críticas de certas “minorias” e blindá-las de qualquer tipo de contestação, em detrimento da liberdade de expressão de grupos majoritários.

No caso da disputa do MP com a Canção Nova, que ameaça a própria estrutura de sustentação desta que é uma das maiores redes de evangelização católica do país, pode-se apontar ao menos 3 abusos cometidos pela promotoria: 

1. Ignorar a intenção original do fundador da Canção Nova e da Fundação João Paulo II

A Fundação João Paulo II foi instituída pelo falecido monsenhor Jonas Abib (1936-2022), fundador também da Comunidade Canção Nova. O referido monsenhor (título honorífico concedido pela Igreja a um padre que se destaca por seu apostolado) criou a fundação como uma entidade autônoma, com personalidade jurídica própria, mas de igual caráter confessional católico e estreitamente ligada à CN.  

A promotora que realizou o inquérito tratou a Fundação João Paulo II, todavia, como uma fundação privada independente que, de forma espúria, teria passado a orbitar em torno de uma instituição que lhe era antes estranha, sofrendo a partir daí a ingerência de terceiros.  

O atual presidente da Fundação João Paulo II e da Comunidade Canção Nova, padre Wagner Ferreira da Silva, no entanto, declarou que ele já pertencia ao conselho deliberativo da fundação quando o monsenhor Jonas era ainda vivo, ao mesmo tempo em que ocupava na Comunidade Canção Nova a função de vice-presidente, vindo sucedê-lo na presidência da comunidade e a ser eleito presidente também da fundação em janeiro de 2023, após o falecimento do monsenhor. 

Em sua oitiva no inquérito civil aberto pelo Ministério Público (reproduzida na liminar do juiz Gonzalez), padre Wagner afirma que o próprio monsenhor Jonas acumulava a presidência de ambas as entidades em vida e que “o Padre Jonas sempre quis que os membros da Comunidade atuassem na fundação; [uma vez que] a Fundação tem como finalidade realizar obras sociais, promover a dignidade da pessoa humana e também a evangelização através dos meios de comunicação; a Fundação conta com a parceria da Comunidade Canção Nova; a Fundação também nasceu para ampliar a evangelização pelos meios de comunicação, já que a natureza jurídica da Comunidade não permitia a concessão [do canal de TV pela Anatel]”. 

Padre Wagner apresentou-se como braço direito de monsenhor Jonas nas funções administrativas e herdeiro natural nas funções de gestor, tanto na comunidade quanto na fundação. No despacho do dia 4, o juiz Gonzalez apontou que “a Comunidade Canção Nova veio antes e a criação da (1) FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II, mesmo com a sua autonomia, foi para que as pessoas naturais que atuam na evangelização pudessem alcançar ainda mais pessoas e que as obras sociais pensadas pelo Pe. Jonas Abib fossem implementadas. Por isso, não vejo como a ocupação elevada de cargos de trabalho por membros da Comunidade Canção Nova coloque em risco a autonomia e o alcance das finalidades sociais (na realidade, aparentemente estão em consonância com o estatuto da (1) FUNDAÇÃO JOÃO PAULO II).” 

Silvana Neckel, diretora do IBDR, explica que, pelos seus estatutos, “essas instituições foram criadas com o propósito de se auxiliarem mutuamente na concretização de seus objetivos, devendo essa realidade ser levada em conta na análise do caso, a fim de evitar uma intervenção indevida na Fundação e o consequente esvaziamento da sua finalidade determinada pelo fundador”. 

2. Desprezar a relação simbiótica entre as duas entidades

Na prática, a Fundação João Paulo II administra e responde pelas emissoras, gerencia a marca Canção Nova, os imóveis, os departamentos diversos que fazem parte do apostolado, como o DAVI (Departamento de Audiovisuais), que encampa a gravadora do grupo, e então encaminha as receitas advindas de tudo o que envolve a Canção Nova para os seus diversos fins, que vão desde obras de assistência social e educacionais até os próprios serviços de radiodifusão, terminando por fazer, enfim, remessas de valores à comunidade de vida Canção Nova, a título de royalties pelo uso da marca. 

Trata-se de uma típica fundação mantenedora, que existe para assegurar a saúde administrativa-financeira e a continuidade da missão da entidade por ela mantida. O estatuto da Fundação João Paulo II deixa claro que as parcerias e os nexos administrativos entre ambas constituem a razão de ser da instituição. 

A defesa informou que muitos colaboradores da comunidade Canção Nova trabalham de forma voluntária para a fundação mantenedora, sem remuneração correspondente, de modo que fica patente o reconhecimento interno da unidade de propósito entre elas. Admite-se, inclusive, que, havendo uma rigorosa divisão patrimonial, a fundação estaria em ligeira dívida com a comunidade e não o contrário, uma vez que os “benefícios obtidos pela parceria” penderiam mais para o lado da fundação, segundo uma avaliação financeira de técnicos realizada em 2019 e citada pelo juiz Gonzalez em sua liminar. 

A diretora do IBDR ressalta que “se trata de duas organizações confessionais, ambas com a finalidade de evangelização, razão pela qual devem ser avaliadas dentro de sua realidade específica. Não há, nos autos, provas contundentes que comprovem o alegado desvio de finalidade específico da Fundação João Paulo II. O fato de haver membros comuns em duas organizações, por si só, não configura tal desvio”. 

Para ela, carece de sustentação a visão da promotora de que a ligação entre as entidades constituiria uma espécie de ameaça à fundação. Se ambas foram criadas como parte de um mesmo projeto para atuarem de fato unidas, não pode uma constituir qualquer risco à razão de ser da outra. 

3. Ferir a separação Estado-Igreja

De acordo com o professor de Filosofia do Direito, pós-doutor pela Universidade Austral, André Gonçalves Fernandes, possíveis membros da Fundação que vissem incongruências nas relações entre ela e a Comunidade Canção Nova poderiam recorrer à diocese, uma vez que se trata de matéria canônica – os andamentos de instituições católicas fundadas para propósitos de evangelização – antes de ser matéria civil, dado o caráter religioso e confessional que permeia ambas desde a sua fundação.

“A relação Estado-Igreja sem dúvida entra em questão nesse caso”, afirma o professor. Ele recorda o acordo entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil, firmado entre o Papa Bento XVI e o governo Lula em 2008. O artigo 5º, especificamente, diz: 

“As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo 3o, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.” 

Isso significa que os problemas internos e as diferenças existentes na Fundação João Paulo II em sua relação com a Comunidade Canção Nova deveriam ser resolvidos no âmbito das próprias instituições católicas, sem interferência do MP-SP.  

Em última instância e permanecendo as desavenças, entraria em cena o juízo da autoridade eclesiástica competente, que é, no caso, o bispo de Lorena-SP, cujo tribunal eclesiástico competente é responsável por arbitrar sobre litigâncias entre as fileiras católicas nos domínios da sua diocese, englobando a cidade de Cachoeira Paulista, onde estão sediadas a Comunidade Canção Nova e a Fundação João Paulo II.

Outro lado

Procurado, o MP-SP não respondeu aos questionamentos da reportagem. O espaço continua aberto para manifestações.

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