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Ações do MPF

O que é a ayahuasca, bebida usada em rituais indígenas e alvo de ações na Justiça

ayahuasca
O MPF do Acre tem discutido ações para fortalecer a proteção religiosa de pessoas que bebem o chá da ayahuasca em cultos indígenas. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

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O Ministério Público Federal (MPF) do Acre realizou, no final de novembro, uma audiência pública para discutir medidas de proteção ao uso da ayahuasca em cerimônias religiosas. Conhecida também como “chá do Santo Daime”, a bebida é tradicionalmente utilizada em rituais indígenas e por diferentes tradições.

O chá da ayahuasca é feito a partir da infusão de duas ervas amazônicas e tem efeitos alucinógenos com potencial de provocar alterações na consciência. As substâncias agem no sistema nervoso central, causando euforia e visões psicodélicas. Efeitos colaterais como vômitos e diarreias também são comuns.

O procurador Lucas Dias, responsável pelo tema sob a ótica da liberdade religiosa, explicou que a iniciativa do MPF surgiu após a apreensão de três pessoas. Segundo ele, os detidos, vinculados a grupos religiosos, foram flagrados transportando ayahuasca a outros estados. As apreensões aconteceram em Manaus, Porto Velho e uma cidade do interior de São Paulo e, de acordo com o procurador, apenas duas a três garrafas com a bebida eram transportadas.

Os envolvidos foram levados à delegacia e precisaram prestar esclarecimentos sobre a bebida. “A pessoa foi presa, encaminhada à delegacia e teve audiência de custódia. Até essa pessoa ser efetivamente solta e comprovar que [a bebida] era para fins religiosos, houve uma prisão que foi ilegal”, destacou Dias durante a audiência pública.

O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) informou ao procurador que, nos últimos três anos, foram registradas 23 apreensões relacionadas à ayahuasca. Lucas Dias também questionou a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal sobre os procedimentos adotados em abordagens em que encontraram chá de ayahuasca. O objetivo do MPF é propor soluções para aperfeiçoar práticas policiais e atualizar a legislação.

Constituição assegura liberdade religiosa, mas é preciso regulamentação clara para evitar conflitos

Uma das regulamentações específicas mais importantes sobre o tema é a resolução do Conad de 2010, que garante o uso da ayahuasca em cultos religiosos e como manifestação cultural, conforme a Constituição Federal. A norma permite o plantio e preparo restrito a rituais religiosos, mas proíbe a comercialização e o uso associado a substâncias ilícitas.

Vera Chemim, professora de Direito Constitucional, lembra que a liberdade religiosa é um direito fundamental previsto na Constituição Federal (art. 5º, incisos VI e VIII) e protegido como cláusula pétrea. Por outro lado, a Lei de Drogas prevê sanções para o desvio de finalidade ou o tráfico de substâncias usadas no preparo da bebida, sendo o uso fora de contexto religioso considerado uma infração penal.

“A menos que se comprove que o transporte do chá serviria a outras finalidades, qualquer conduta que venha a impedir o seu uso para o exercício de cultos religiosos afrontará um direito fundamental garantido pela Carta Magna”, afirma.

Ela acrescenta que “nesse sentido, qualquer prisão efetuada pelo transporte ou uso do dito chá será ilegal, podendo o agente público responder civil, como indenização por danos morais e materiais, e penalmente, além de configurar abuso de autoridade, a depender das circunstâncias”.

Segundo Chemim, do ponto de vista prático, é necessário que os estados criem leis para disciplinarem o tema e promovam ações de divulgação e treinamentos junto à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal.

Médico psiquiatra alerta para riscos do chá de ayahuasca

A norma do Conad também determina que menores de 18 anos só podem consumir a bebida com autorização dos pais ou responsáveis. O Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu, em 2024, uma mãe de oferecer ayahuasca ao filho de cinco anos. O pai do garoto, com quem ele residia, era contrário ao filho frequentar os rituais e ingerir a bebida, informando que a criança tinha problemas gastrointestinais. O juiz Fernando Henrique Pinto, da 2ª Vara de Família e das Sucessões de Jacareí, proibiu que a mãe oferecesse a bebida, manteve a permissão para que a mãe levasse o garoto aos encontros, mas proibiu o consumo do chá.

O médico e psiquiatra Ronaldo Laranjeira explica que a o princípio da ayahuasca é DMT, diferente da maioria dos alucinógenos como LSD. “A ayahuasca não produz uma dependência, como a maioria dos alucinógenos. Não no sentido de repetição do uso, mas produz uma desregulação química que pode produzir uma série de problemas psiquiátricos e físicos”, aponta.

Laranjeira vê com ressalva o uso da bebida, mesmo em contextos religiosos, pois acredita que a ingestão do chá pode gerar riscos. “A psiquiatria não tem indicadores muito claros sobre quem seria vulnerável a ficar psicótico após o uso de substâncias como essa. Como saber se uma criança ou adolescentes podem ter algum problema com indicadores genéricos como ter sintomas de depressão e ansiedade? Esses indicadores podem estar presentes em todos os adolescentes”, reforça o médico.

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