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O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de suspender uma norma que compromete a apresentação da defesa de réus em tribunais. Em decisão desta quarta-feira (29), Barroso manteve a resolução criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que substitui a defesa do advogado diante do tribunal pelo simples envio de um vídeo aos magistrados. A determinação entra em vigor na próxima segunda-feira (3).
Em petição enviada ao CNJ, em 9 de janeiro (a resolução é de 23 de setembro de 2024), a OAB solicitou a suspensão da regra, apontando que ela compromete a ampla defesa de acusados. A Ordem evocou a inviolabilidade da advocacia, protegida pelo artigo 133 da Constituição Federal, explicando que não é a mesma coisa enviar o vídeo e fazer uma sustentação oral na frente dos juízes que vão analisar um caso. A OAB afirma que é direito do cidadão ter a sua defesa ouvida na presença dos juízes, com amplo direito ao contraditório e debate entre os julgadores.
Barroso, que também é presidente do CNJ, não levou em conta esses argumentos e manteve a resolução. Para o ministro, dar espaço para os advogados exporem aos juízes a defesa de seus clientes seria “retroceder” em relação ao tempo economizado em julgamentos virtuais, pois seria “materialmente impossível dar conta da demanda existente apenas com sessões síncronas”. Ele analisa ser um benefício aos advogados a possibilidade de enviar a sustentação oral sem ter de ir ao tribunal.
Em resposta, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, afirmou estar “vigilante” e se comprometeu a analisar todos os pontos elencados por Barroso. Simonetti disse ainda que “buscará uma audiência com o ministro” em fevereiro para reforçar “a necessidade de uma construção conjunta e equilibrada das mudanças que impactam o exercício profissional da advocacia”.
Norma cresceu após o 8 de janeiro e acaba com o último constrangimento legal pela justiça, dizem advogados
A sustentação oral é essencial para que o advogado destaque diretamente ao juiz os pontos mais relevantes do caso em defesa de seu cliente. Com a nova resolução, os advogados terão que solicitar ao juiz relator a realização da sessão de forma presencial, mas a decisão caberá ao magistrado. A resolução será aplicável a todos os julgamentos realizados por colegiados.
A adoção desse formato conhecido como “assíncrono” – quando a sustentação oral é gravada e não realizada durante o julgamento de forma síncrona – não é inédita. O método se popularizou nos últimos anos, e ficou mais famoso depois que o ministro Alexandre de Moraes definiu que os julgamentos dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro passariam a ser de forma virtual. Isso ocorreu semanas depois de o ex-desembargador Sebastião Coelho dizer publicamente, no plenário do STF, que os ministros da Corte seriam os homens mais odiados do país: “dessas bancadas aqui, desses dois lados, senhores ministros, estão as pessoas mais odiadas desse país, infelizmente”.
“Essa resolução viola claramente o artigo 91 da Constituição, que prevê que os julgamentos serão transparentes e públicos. Além de atingir a ampla defesa, em especial do acusado em um processo criminal, porque limita a atuação da advocacia”, afirmou Bruno Gimenes, em matéria publicada pela Gazeta do Povo.
Na mesma reportagem, Maurício Bunazar, pós-doutor em Direito Civil pela USP, demonstrou também a preocupação que os juízes nem vejam os vídeos da defesa. “A sustentação oral é o momento em que o advogado expõe face a face as suas razões aos julgadores. É quando ele pode chamar a atenção para pontos que muitas vezes passaram despercebidos, o que pode mudar o entendimento do magistrado sobre o caso”, explicou.
“A resolução, de uma maneira quase cínica, diz que nós, advogados, podemos gravar um vídeo com a nossa sustentação oral e enviar ao tribunal para que os desembargadores assistam. É óbvio que eles não assistirão, pois estão sobrecarregados”, lamentou.
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