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Willian Ferreira da Silva tem 59 anos e realizou cobertura jornalística independente dos fatos de 8 de janeiro em suas redes sociais. Ele foi preso dia 3 de fevereiro na Operação Lesa Pátria.
Willian Ferreira da Silva tem 59 anos e realizou cobertura jornalística independente dos fatos de 8 de janeiro em suas redes sociais. Ele foi preso dia 3 de fevereiro na Operação Lesa Pátria.| Foto: Arquivo pessoal/William Ferreira

Um jornalista de Rondônia está preso desde o dia 3 de fevereiro de 2023, sem denúncia, após ter realizado a cobertura, ao vivo, dos atos de 8 de janeiro em suas redes sociais. Com 59 anos, William Ferreira da Silva é policial militar da reserva, casado e pai de quatro filhos – inclusive uma criança de três anos. Além disso, apresentou em seus últimos exames suspeita de câncer, com necessidade de nova biopsia e tratamento. Ele está internado desde sexta-feira (19) devido à gravidade de seu estado de saúde.

“A última ressonância que fez apontou nível 5 de alteração, que é a mais alta em uma escala de 1 a 5”, afirma o advogado Hélio Junior, citando que o homem deveria ter deixado a prisão há meses por não ter seu inquérito policial concluído e nem denúncia do Ministério Público Federal (MPF) formalizada. No entanto, “o ministro Alexandre de Moraes negou quatro vezes a liberdade provisória”, afirma o advogado.

A decisão mais recente é de 9 de janeiro, quando o ministro alegou que não há “qualquer argumento apto a desconstituir os fundamentos apontados”, apesar da gravidade de seu estado de saúde atualmente. “Inclusive, o irmão dele faleceu da mesma doença no último dia 29 de outubro, e o jornalista também pode vir a óbito”, alerta o advogado.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Rondônia, Luiz Carlos Teodoro, chegou a visitar o homem no Complexo de Correção da Polícia Militar (CCPM), em Porto Velho, e afirmou que a prisão do jornalista viola a Constituição Federal.

Em entrevista concedida a um veículo de comunicação local, Teodoro explicou que o Código de Processo Penal (CPP) apresenta requisitos e prazos para a manutenção de uma prisão preventiva, o que não foi seguido no caso em questão. “É uma violação de direitos humanos”, alertou.

Por isso, informou que a comissão denunciará o fato a entidades como o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), OAB Nacional e à Corte Internacional dos Direitos Humanos. A entidade também deve notificar o Congresso, o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e a Comissão dos Direitos Humanos do STF. Em nota enviada à Gazeta do Povo nesta quarta-feira (17), a OAB-RO informou que o relatório está sendo concluído.

Enquanto isso, o processo tramita em sigilo no STF, mas a reportagem teve acesso à decisão do Moraes a respeito da prisão preventiva. Segundo o documento, William postou vídeos dia 8 de janeiro em seu perfil da rede social Facebook, “nos quais aparece nos atos praticados na Praça dos Três Poderes”.

A decisão informa que imagens publicadas no perfil de outra pessoa também mostrariam Willian “no interior do plenário do STF, no momento da depredação”. Todos os vídeos citados foram retirados do ar por ordem da Suprema Corte, e nem a defesa do réu tem essas imagens.

O que William fazia em Brasília?

De acordo com a esposa Naiane Karen Portugal, de 31 anos, Willian não acampou no Quartel-General do Exército em Brasília e nem participou das manifestações, pois a família estava em viagem na cidade para visitar parentes. “E como o William é policial militar reformado, levamos nossa filhinha Maitê para brincar na piscina do Clube do Exército, que fica perto da Praça dos Três Poderes”, conta a mulher, relatando que começou a ver helicópteros e ouvir bombas durante o passeio.

“O William olhou no celular o que estava ocorrendo e, como ele é um jornalista independente com mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, quis pegar o ‘furo de reportagem’, e foi trabalhar”, afirma a mulher, que levou o marido à Praça dos Três Poderes com as roupas que ele estava no clube: bermuda, camisa regata e chinelo. “Ele não saiu de casa pronto para se manifestar, mas viu uma notícia que precisava ser mostrada”.

William é policial militar da reserva e atua como jornalista independente em Rondônia. Imagem: Arquivo pessoal/William Ferreira
William é policial militar da reserva e atua como jornalista independente em Rondônia. Imagem: Arquivo pessoal/William Ferreira

Naiane relata que ficou acompanhando a transmissão ao vivo realizada pelo esposo, ao mesmo tempo em que falava com William por mensagens de celular. “Inclusive, tenho uma conversa em que falo para ele que tinha umas pessoas tentando bater de frente com a PM, e ele me diz que tentou afastar esses manifestantes e acalmar todo mundo, porque é policial militar também”.

No entanto, a decisão de Alexandre de Moraes cita que é “clara a incitação de William para que os manifestantes insistam nos atos e reajam às investidas da Polícia Militar” devido às seguintes falas que seriam ditas no vídeo: “Tem que pegar e jogar de volta essa ** aí. Bora, bora, bora, vamo embora. Uma hora vai acabar essas bombas aí dele. Uma hora acaba. Vamo pra cima. Aqui é confronto, viu, gente?”. Ele também teria dito “a situação tá tensa. A população tá descontrolada, viu, gente”.

Naiane afirma que o marido não disse essas palavras da forma que aparecem no documento, em sequência, mas que foram trechos citados em diferentes contextos ao longo do vídeo. “Bora, bora, vamo pra cima, por exemplo, era para ir até a parte mais alta porque o gás lacrimogêneo estava concentrado embaixo, então era para subir e respirar melhor”, explica, afirmando que muitas pessoas, inclusive idosos, estavam passando mal e vomitando devido ao gás.

Além disso, Naiane pontua que o marido entrou nos prédios após as ações de vandalismo na tentativa de mostrar como estava o local. “Aí ele viu que ainda tinha muita gente lá, não pegou em nada e saiu rapidamente.”

Entretanto, menos de um mês depois, sua família foi surpreendida com a visita de policiais federais em casa, às 7 horas, quando a filha do casal ainda estava dormindo. “O delegado falou para o William se dirigir à polícia por livre e espontânea vontade para colher depoimento, mas, chegando lá, informou que seria recolhido para o presidio”, conta. “Nossa filha não teve oportunidade de se despedir do pai, e chora todos os dias.”

“As falas citadas não condizem com prisão”, explica especialista

De acordo com a advogada Carolina Siebra, especialista em casos que envolvem política, as falas que embasam a decisão da prisão do jornalista, se forem confirmadas, estão relacionadas à invasão de prédios públicos, que é um crime de menor potencial ofensivo. “Na verdade, nem caberia prisão, assim como ocorreu com os manifestantes que invadiram os ministérios em 2017.”

Na época, 35 mil pessoas lideradas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) protestaram em Brasília contra as reformas propostas ao Congresso pelo governo de Michel Temer. Eles confrontaram a PM, promoveram um quebra-quebra generalizado e colocaram fogo nos ministérios da Agricultura, Cultura e Fazenda.

“E o que ocorreu na Justiça? Algumas pessoas foram levadas para a delegacia, assinaram um termo circunstanciado e foram liberadas”, informa Siebra, ao citar que o processo deveria ocorrer da mesma forma com os envolvidos nos atos de 8 de janeiro.

“E, ainda que a pessoa tivesse intenção de um ‘golpe de estado’, como tem sido apontado em alguns casos, seria o 'crime impossível' citado no Artigo 17 do CPP. Mesma coisa que tentar matar uma pessoa com uma pistola de água”, compara, ao afirmar que não há motivo para manter o jornalista preso.

A família está com recursos financeiros bloqueados

Além disso, o parecer do Ministério Público a respeito do caso informa que parte do salário que William recebe como militar da reserva deveria ser depositado mensalmente para “preservação da dignidade humana do representado e da sua família”. No entanto, a esposa relata que está há 11 meses não recebe nenhum valor. “Está tudo bloqueado pelo governo”, lamenta.

Para o advogado Hélio Junior, a situação é uma “atrocidade jurídica sem precedentes”, pois o homem “estava trabalhando no 8 de janeiro, realizando a cobertura jornalística do evento, e teve toda sua aposentadoria bloqueada, deixando a família sem condições de se manter”.

Atuação do jornalista no estado de Rondônia

William é jornalista credenciado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e produzia reportagens independentes no estado de Rondônia, onde era conhecido como “Homem do Tempo”. “Ele divulgava matérias em seu canal e realizava trabalhos para diversos veículos de comunicação”, informa a esposa Naiane, citando que o marido preparava, principalmente, matérias sociais e denúncias a respeito de problemas da comunidade, como buracos e alagamentos.

  William produzia, principalmente, matérias sociais e denúncias a respeito de problemas da comunidade, como buracos e alagamentos. Imagem: Arquivo pessoal/William Ferreira
William produzia, principalmente, matérias sociais e denúncias a respeito de problemas da comunidade, como buracos e alagamentos. Imagem: Arquivo pessoal/William Ferreira

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Rondônia (Sinjor) chegou a publicar uma nota de solidariedade em 2023 a respeito do caso, informando que “William é um profissional dedicado, competente, que atua há mais de 20 anos na imprensa de Rondônia, com passagens por diversos veículos de comunicação”.

Ainda segundo a nota, o jornalista teria “expressiva audiência nas redes sociais” e “conduta moral e ética, sempre se pautando com zelo e eficiência em suas coberturas jornalísticas” com “grande destaque no jornalismo social”.

A Gazeta do Povo entrou em contato com o Supremo Tribunal Federal (STF) e também com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e aguarda retorno. O jornalista Willian segue preso no Complexo de Correção da Polícia Militar (CCPM) e está internado desde sexta-feira (19) devido à gravidade de seu estado de saúde. “Ele já perdeu 16 quilos e está muito debilitado”, lamentou a esposa, pedindo ajuda.

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