Médicos e entidades de classe questionam o protocolo do Ministério da Saúde, adotado pela Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) do Paraná, para a liberação do Tamiflu, medicamento usado no tratamento de pacientes com suspeita de contaminação pelo vírus da gripe A (H1N1), a gripe suína. Nos dois últimos dias, dirigentes de cinco entidades que representam a classe médica no estado estiveram reunidos para discutir o assunto. Na próxima segunda-feira, o grupo se reúne com o secretário de Estado da Saúde, Gilberto Martin. A ideia é defender que o medicamento seja oferecido para todos os pacientes com sintomas.
A mobilização que acontece no Paraná não é um caso isolado no país. Na quinta-feira, em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, um dos hospitais de referência anunciou a quebra do protocolo. Foz do Iguaçu fez o mesmo ontem. Também ontem, a Defensoria Pública da União, no Rio de Janeiro, anunciou que questionaria na Justiça o protocolo adotado no estado. Em âmbito nacional, o Ministério Público Federal anunciou uma medida semelhante.
Pelo protocolo, recebem o Tamiflu apenas os pacientes com quadro clínico de síndrome gripal, que estejam no grupo de risco ou aqueles que apresentem quadros graves. A preocupação dos médicos, entretanto, é que tem sido observada a ocorrência de óbitos entre jovens, sem doenças pré-existentes. No Paraná, as quatro mortes por H1N1 confirmadas são de pessoas entre 24 e 43 anos. Em três casos, as vítimas não tinham doenças pré-existentes.
Não se sabe se estas vítimas chegaram a ter acesso ao Tamiflu, pois a secretaria diz não ser possível levantar essa informação neste momento. Mas, ao depender do depoimento de médicos do "front", ou seja, aqueles que estão na linha de frente lidando diretamente com a doença, é justamente este o perfil de pacientes que está com dificuldades para a liberação do remédio.
Sem autonomia para decidir em relação ao tratamento do paciente, os médicos andam sem saber como proceder. "Ando perdendo o sono com esse assunto. Estamos numa situação em que precisamos esperar o paciente piorar para poder solicitar a medicação", afirma uma médica que trabalha em uma unidade de saúde de referência na região metropolitana de Curitiba.
Quando o caso do paciente se agrava, os médicos têm de correr contra o tempo, pois o Tamiflu tem uma eficácia maior nas primeiras 48 horas de sintomas. "Com a burocracia para liberação da medicação, às vezes, na hora em que chega nem adianta mais", diz a médica. "Não estou livre de o paciente voltar com síndrome respiratória grave aguda e ir a óbito", diz.
"O médico fica numa posição difícil porque, clinicamente, não há como saber qual paciente vai evoluir para um quadro grave ou favorável", opina outra médica, que coordena o setor de infecção em um hospital da capital. "Ficamos sem autonomia para prescrever, quando achamos necessário", avalia o diretor do departamento de fiscalização do Conselho Regional de Medicina, Donizetti Giamberardino.
Foram esses motivos que levaram a Associação Médica do Paraná (AMP), o CRM, a Sociedade Paranaense de Pneumologia, Sociedade Paranaense de Pediatria e Sociedade Paranaense de Infectologia (SPI) a tomar providências. "Nós achamos que todo o diagnóstico clínico de gripe, com sintomas de febre alta, dor de cabeça e dor muscular deve receber esta medicação (Tamiflu) nas primeiras 48 horas", disse o presidente da AMP, José Fernando Macedo. Para o conselheiro do CRM e presidente da SPI, Alceu Fontana Pacheco, "mortes de jovens que têm ocorrido podem ser evitadas". "Defendemos que o início da medicação se dê de forma precoce, independentemente de situações de gravidade", afirma.
Para Alceu, a centralização da medicação pela secretaria no Paraná torna difícil que os médicos simplesmente quebrem o protocolo, como aconteceu em Passo Fundo, por exemplo. "O remédio não está na nossa mão, então não temos a possibilidade de prescrever". "A nossa orientação é que, por enquanto, em situações especiais, os médicos entrem em contato com a associação, com as entidades competentes, gestores públicos, para tentar conseguir o medicamento, quando acharem necessário", diz Macedo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Saúde diz que apenas segue orientação do Ministério da Saúde. O ministério, por sua vez, explica que segue recomendações da Organização Mundial da Saúde.
O Ministério da Saúde defende ainda que o uso indiscriminado do Tamiflu poderia gerar resistência ao medicamento. Além disso, o remédio poderia vir a faltar para casos graves. São esses fatores, aliás, que levam o chefe do serviço de infectologia do Hospital Evangélico, Sérgio Penteado, a defender que o protocolo ajuda "a racionalizar o tratamento com Tamiflu". "É uma situação difícil selecionar as pessoas que vão fazer uso do medicamento, mas os pacientes graves, normalmente, já iniciam com quadros graves, então não há problema de aplicar o protocolo. Os pacientes estáveis tendem a melhorar com ou sem o Tamiflu", diz.