A República Popular da China concedeu ao nonagenário ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, o Prêmio Confúcio da Paz, uma espécie de versão chinesa do Nobel da Paz. Para quem vive numa democracia, claramente há duas incoerências e uma boa dose de cinismo.
CPI para quê 1?
Aprovado na madrugada de quinta-feira (22), o relatório da CPI da Petrobras é a mais recente peça de ficção produzida na Câmara dos Deputados. Não propõe o indiciamento de deputados investigados e isenta o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. Desperdício de tempo e dinheiro.
CPI para quê 2?
A CPI da Petrobras chegou a contratar a Kroll – empresa especializada em investigações – por R$ 1,18 milhão, para identificar contas bancárias suspeitas de repasses ilegais ao exterior de dinheiro por investigados na Lava Jato. Nos bastidores, sempre se falou de que intenção da CPI era desconstruir o depoimento dos acusados que fizeram delações premiadas e que indicaram parlamentares como beneficiários do desvio de recursos da Petrobras. É de se questionar até quando a sociedade vai tolerar as encenações chamadas de CPIs.
A primeira incoerência é conceder uma premiação de paz a um ditador violento. Mugabe está no poder desde 1980 e reiteradamente é acusado de violação de direitos humanos. A comissão chinesa, em comunicado de anúncio do prêmio, entretanto, afirmou que o presidente do Zimbábue tem feito um árduo trabalho para trazer ordem política e econômica para o país, com o objetivo de melhorar o bem-estar da população.
O escritor George Orwell, na obra 1984, cunhou o termo “duplipensar” para designar o ato de manter na mente duas crenças contraditórias ao mesmo tempo. Quando um político fala em modernizar o Estado e cria benefícios ilegais para altos funcionários públicos ele comete, entre outras barbaridades, o duplipensar. Quando diz que faz uma administração “na mais absoluta transparência” e esconde informações sobre voos com avião oficial, novamente comete o duplipensar. Prêmio da Paz para alguém que pratica a guerra contra o próprio é o mais novo exemplo do uso do termo .
A segunda incoerência é vincular o nome de Confúcio à premiação. O pensador chinês viveu no século V antes de Cristo e teve grande influência na formação da cultura chinesa, especialmente no que se refere à moralidade pessoal e governamental, assim como sobre o correto comportamento nas relações em sociedade e o conceito de justiça. Embora não haja comprovação de textos escritos por Confúcio, há uma série de compilações de aforismos (sentenças curtas cujo objetivo é provocar reflexão) que são atribuídos a ele. Uma delas, conhecida como os Analectos de Confúcio, é crucial para demonstra o quanto a premiação chinesa viola a visão do pensador.
Em um dado momento, nos Analectos, lê-se que “É belo viver cercado de humanidade. Escolher um lugar de moradia sem humanidade é muito pouco sábio.” No contexto da obra, esse aforismo trata da importância de se estimular a criação de um ambiente de convívio harmônico. Não é inteligente optar por locais em que isso não ocorre. O Zimbábue sob a mão pesada de Mugabe pouco tem a ver com o que pregava Confúcio.
Outro aforismo pertinente é o que diz que “quando o Mestre comia perto de alguém de luto, ele nunca se saciava plenamente”. Afinal, como conseguir não sentir a dor do outro? A empatia com os outros está no centro do pensamento confuciano. O mesmo não pode se dizer da conduta do ditador em relação à dor do seu povo.
Já na parte final dos Analectos, há um trecho que escancara as contradições do “Nobel chinês”. O autor define quais sãos os quatro pecados que desqualificam um governante. São eles: “O terror, que se apoia na ignorância e no assassinato. A tirania, que exige resultados sem se aconselhar adequadamente. A extorsão, que é conduzida por meio de ordens contraditórias. A burocracia, que recusa ao povo aquilo que ele tem direito”.
Por esses critérios é uma brincadeira de mau gosto não fosse trágico vincular o nome de Confúcio a um prêmio de paz e oferecê-lo a um ditador, completamente desqualificado como governante, nos moldes do que concebia o pensador chinês.
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