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Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso foram anistiados em 1979 e são contra a anistia proposta agora – assim como toda a esquerda foi a favor daquela anistia e está contra a proposta atual. A direita critica e aponta incoerência – mas não se trata de incoerência.
Até pouco tempo atrás, o Partido Republicano norte-americano era mais pró-abertura comercial. O ex-presidente Ronald Reagan foi o ápice dessa convicção. Com Donald Trump, no entanto, o partido mudou de posição. Os Estados Unidos sempre estiveram entre as economias mais abertas do mundo, enquanto o Brasil sempre esteve entre os países mais protecionistas do mundo – isso é fato, não opinião –, e a imprensa sempre defendeu essa postura. Com o “tarifaço” de Trump, a coisa mudou totalmente. Nunca houve tanta gente defendendo (só da boca para fora, claro) a abertura comercial como agora. Até a Embaixada da China – da China! – publicou um vídeo em que Reagan criticava tarifas de importação!
André Janones criticava a suposta rachadinha de Flávio Bolsonaro. Depois, descobriu-se que ele havia feito o mesmo. Como sabemos, muitos que no passado apoiavam o voto impresso e/ou criticavam a urna eletrônica mudaram o discurso depois que Jair Bolsonaro também assumiu essa posição. Socialistas e comunistas no mundo todo são internacionalistas e antinacionalistas, mas aqui eles falam em “soberania nacional” em chave antiamericana.
A posição a respeito de temas como Lava Jato, ajuste fiscal, rachadinhas, protecionismo e STF não diz respeito ao mérito técnico; trata-se de poder e de qual grupo sai beneficiado
A esquerda quer tirar o passaporte de Eduardo Bolsonaro, cassá-lo e prendê-lo porque ele está no exterior, denunciando abusos e perseguição política. Mas Jandira Feghali (PCdoB), Eliziane Gama (PSD), Henrique Vieira (Psol), Gulherme Boulos (Psol), Humberto Costa (PT) e Paulo Pimenta (PT) viajaram mundo afora denunciando as mesmas coisas. O então advogado de Lula, Cristiano Zanin, procurou parlamentares, advogados e professores italianos e ingleses para emplacar a teoria do lawfare contra Lula. A defesa do petista protocolou uma medida cautelar no Comitê de Direitos Humanos da ONU. Quando Lula estava preso, Gleisi Hoffmann pediu o apoio do mundo árabe na rede de televisão Al Jazeera. O senador bolsonarista Major Olímpio denunciou o caso por “crime contra a segurança nacional”. Em 2020, um manifesto internacional assinado por personalidades de 40 países foi entregue ao STF, pedindo a anulação das sentenças da Lava Jato. Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Paulo Teixeira (PT-SP) e Wadih Damous (PT-RJ), e o senador Telmário Mota (PDT-RR) protocolaram uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Na época da Lava Jato, a esquerda se dizia “garantista” e denunciava irregularidades dos processos judiciais. A direita fechava um olho. Agora é o exato contrário: A direita denuncia irregularidades no “inquérito do fim do mundo” e no “processo do golpe”, e é a esquerda que fecha um olho.
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Em março de 2023, Fernando Haddad e Lula acenaram em favor de um ajuste fiscal. Em tom celebrativo, Míriam Leitão publicava o artigo “O grande ajuste de Haddad e Lula”. No mesmo dia, Reinaldo Azevedo escrevia “Arcabouço fiscal é bom, pró-mercados e mais conservador do que eu gostaria”. Depois, quando Lula deixou claro que era contra qualquer medida de corte de gastos, todos mudaram de ideia novamente e passaram a criticar o ajuste fiscal, como sempre.
Nesses casos, todos falam de “incoerência”. Mas é apenas oportunismo. Parece incoerência para quem ainda olha a política com a ótica das políticas públicas, para quem ainda analisa o mérito da questão. A política não é um julgamento racional ou lógico sobre o mérito de políticas públicas e de propostas. Não se trata de pessoas que mudaram de opinião ou que fingem ter mudado de opinião. A política é poder: é meu grupo contra seu grupo, é tomar o poder e manter o poder. A posição a respeito de temas como Lava Jato, ajuste fiscal, rachadinhas, protecionismo e STF não diz respeito ao mérito técnico; trata-se de poder e de qual grupo sai beneficiado.
E tudo isso é perfeitamente normal, assim como é normal as pessoas se iludirem esperando coerência de políticos.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




