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A liquidação extrajudicial do Banco Master é um retrato do Brasil, a começar pelo crescimento exponencial da instituição financeira. Da transformação do Banco Máxima em Master, o patrimônio da empresa de Daniel Vorcaro aumentou aproximadamente dez vezes, e a carteira de crédito quintuplicou.
Basicamente, o Master cresceu oferecendo CDBs com taxas bem superiores àquelas praticadas pelo mercado, sob a ilusão de que não tinham riscos, pois os papéis eram garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
Ter garantia do FGC não significa não ter risco de crédito. Primeiro, porque a garantia vai até R$ 250.000 por CPF e por instituição financeira, limitada a R$ 1 milhão. Por exemplo, se uma pessoa tinha R$ 350.000 no Master, só vai receber R$ 250.000, realizando a perda de R$ 100.000.
Segundo, mesmo para aqueles com aplicações menores que R$ 250.000, também não é possível garantir o ressarcimento de todos os investidores. Isso porque, numa crise sistêmica — quando várias instituições financeiras quebram — não haverá recursos do FGC para pagar todo mundo.
Apesar de o caso em questão não estar relacionado a uma crise sistêmica, também há dúvidas se todas as pessoas serão ressarcidas até o limite de R$ 250.000. Provavelmente, sim; mas às custas de uma forte descapitalização do FGC, pois o fundo terá que desembolsar R$ 40 bilhões de um total de R$ 122 bilhões.
A ideia de que uma aplicação financeira de renda fixa garantida pelo FGC não tem risco é falaciosa. No entanto, num país com carência de educação financeira, aliado à ganância de muitos em querer ganhar dinheiro fácil — basta ver o sucesso de casas de apostas e o jogo do tigrinho —, e à esperteza de alguns assessores de investimento, essa crença foi amplamente difundida.
Em finanças, teoricamente, somente um título do Tesouro dos EUA é considerado livre de risco, e, mesmo assim, essa premissa é bem questionável perante a crescente dívida americana. No Brasil, os títulos emitidos pelo governo federal, negociados no Tesouro Direto, são os de menor risco de crédito, mesmo que não tenham garantia do FGC.
Infelizmente, esses conceitos passam longe do investidor comum. Com isso, o Master conseguiu crescer vendendo CDBs com taxas obscenas, enquanto, na outra ponta, comprava ativos de qualidade bem duvidosa, como ações de segunda linha, precatórios e títulos de crédito de alto risco.
De um lado, o passivo do banco contava com taxas muito elevadas; do outro, havia ativos com alto risco de crédito, de mercado e de liquidez. Para qualquer analista atento, a conta não fecharia. Entretanto, apesar do forte descasamento entre ativos e passivos, o Master seguia com seu modelo de negócio, colocando credores e o Sistema Financeiro Nacional em risco. Como isso foi possível?
A resposta passa por um sistema bem conhecido no Brasil: o capitalismo de compadrio. Ao contrário do capitalismo clássico, cujos vencedores são premiados pela meritocracia, produtividade e capacidade de inovação, no capitalismo de compadrio os campeões são aqueles com boas conexões em Brasília, numa troca perversa entre favores políticos e benefícios econômicos.
Da direita à esquerda, passando pelo centrão, Vorcaro tinha acesso a poderosos como Ciro Nogueira (PP-PI), Ibaneis Rocha (MDB), Ricardo Lewandowski — ex-membro do comitê consultivo estratégico do banco antes de ser ministro da Justiça — e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.
Com tanta influência em Brasília, é de se suspeitar que o projeto de lei (PL) quase aprovado na Câmara dos Deputados, que permitia a parlamentares destituírem diretores do Banco Central, tivesse as digitais de Vorcaro. Coincidentemente, o regime de urgência do PL, articulado pelo centrão, aconteceu pouco antes da liquidação extrajudicial do Master pelo Banco Central. Felizmente, a matéria não avançou.
Além de conexões políticas, o banqueiro contava com uma banca de influentes advogados, aqueles com acesso ao STF. Entre eles, o escritório da esposa do ministro Alexandre de Moraes, Barci de Moraes.
Com tanto poder e trânsito em Brasília, Vorcaro se tornou bilionário. Levava uma vida luxuosa, caracterizada por carros de luxo, aviões particulares, uma mansão de US$ 37 milhões em Orlando e uma casa em Trancoso avaliada em R$ 280 milhões.
No entanto, essa vida luxuosa não veio de sua produtividade e capacidade de inovação, como Elon Musk, Jeff Bezos, Bill Gates ou o falecido Steve Jobs, mas de um negócio que prejudicou muita gente — de pessoas físicas a governos, passando pelos cotistas de fundos de pensão.
Só há um caminho para diminuir essa perversidade brasileira, sem que surjam novos “Masters” ou empreiteiras corruptas descobertas pela famigerada Lava Jato: o aperfeiçoamento institucional, com independência técnica e operacional de órgãos de Estado (Receita Federal, Bacen, Polícia Federal, entre outros) e a diminuição do tamanho do governo.
Dessa maneira, seria possível migrar do capitalismo de compadrio, que gera desigualdades ao enriquecer poucos às custas de corrupção e prejuízos de muitos, para o capitalismo clássico, que tira pessoas da pobreza ao premiar a eficiência, a inovação, a produtividade e a meritocracia.




