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O messianismo cataclísmico é um movimento que acredita que haverá a chegada de um messias, um salvador, cuja vinda será precedida ou acompanhada por uma grande catástrofe e que, após a destruição total, virá uma nova era de justiça e virtude a ser instaurada.
Essa crença sempre surge em populações marginalizadas que vivem sem esperança nas estruturas políticas e sociais vigentes e que enxergam nesse messianismo a única possibilidade de libertação.
Nesse contexto, os nascituros são um grupo social bastante propício a se render a esse tipo de movimento e, segundo pesquisas de opinião que nossa coluna fez com os bebês ainda no ventre de suas mães, entre eles cresce a ideia de que Jorge Messias, futuro ministro do STF recentemente indicado pelo presidente Lula, é o prometido salvador cataclísmico.
Para reforçar essa convicção, circulou entre os nascituros a manifestação jurídica da Advocacia-Geral da União nos autos da ADPF 1141, assinada pelo próprio Jorge Rodrigo Araújo Messias.
Na referida peça, o futuro ministro do STF afirma categoricamente que a proibição de se realizar a assistolia fetal estaria “suprimindo o direito de escolha da mulher, garantido por lei, quando a gestação ultrapassar 22 semanas”.
Assevera ainda que “a lei preserva o direito de escolha da mulher, não atentando para a viabilidade ou inviabilidade do feto”, e que “a proibição prevista pela resolução em exame impacta de forma significativa grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes e mulheres pobres e pretas”.
Além disso, como justificativa de seu parecer, o próximo ministro de nossa Suprema Corte valeu-se de uma manifestação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, cuja referência às mulheres foi um tanto quanto inusitada, afirmando que “a Resolução CFM nº 2378/2024 representa um retrocesso significativo no que tange aos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com útero”.
Como o leitor pode notar, a devastação será total. O movimento messiânico cataclísmico entre os nascituros antevê que bebês provenientes de “pessoas com útero” que sejam pobres, adolescentes e pretas serão completamente destruídos e quimicamente queimados, sem anestesia, de forma lenta e gradual, pela assistolia fetal, que encontra a anuência do futuro ministro da Suprema Corte do Brasil.
Para os adeptos dessa corrente, Jorge Rodrigo Araújo Messias é realmente o messias cataclísmico que está por vir e que trará a destruição completa do mundo intrauterino
No entanto, nossas fontes informaram que há uma reação de boa parcela dos nascituros que não acreditam nessa crença messiânica maluca. Eles têm esperança de que a origem evangélica do novo ministro irá trazê-lo de volta à fé na Palavra de Deus, que é clara em condenar a hipocrisia daqueles que não guardam coerência de vida e fingem ser uma pessoa na igreja e outra na sociedade. A passagem de Mt 23, 27-32 bem demonstra isso na lição de Jesus sobre os sepulcros caiados.
Esses bebês que estão por nascer confiam que o ministro irá cair em si e verá, através dos olhos da fé, que o “não matarás” não comporta exceção, ainda mais contra os mais pequeninos dos seres humanos, que são justamente aqueles referidos por Jesus quando disse: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25, 40).
Porém, mais do que uma conversão na fé do futuro ministro, essas crianças que ainda estão no ventre de suas mães têm grande expectativa de que ele se valha da razão e observe o quanto sua manifestação feita na ADPF 1141 é desprovida de fundamentos jurídicos.
Aborto ou feticídio?
Quando o então Advogado-Geral da União diz que a Resolução do CFM 2378/2024 teria suprimido direitos da mulher ao impedir o aborto acima de 22 semanas, o futuro ministro parece ter esquecido que a conceituação do que seja aborto é – e sempre foi – feita por portarias do Ministério da Saúde que, há mais de 20 anos, desde antes de 2005, especificam que aborto é “interrupção da gravidez até a 20ª/22ª semana de gestação e com o produto da concepção pesando menos de 500 gramas”. Ou seja, não foi uma inovação feita pelo CFM; as portarias do Ministério da Saúde sempre disseram isso.
Para os leitores que não são da área jurídica, pode até causar estranheza uma portaria do Ministério da Saúde limitar o alcance de uma norma penal, mas isso é mais comum do que se imagina. O próprio crime de tráfico de drogas previsto na lei penal também deixa a cargo de uma portaria do Ministério da Saúde a conceituação do que seja droga.
Se não fosse essa portaria, andar com qualquer remédio no bolso já poderia configurar porte de drogas e todos estariam presos. Drogas ilícitas são somente aquelas que a portaria do Ministério da Saúde elenca.
Isso, em direito penal, se chama “norma penal em branco”, algo que se aprende no primeiro ou no segundo semestre do curso de direito. Como um dos requisitos para ser ministro do STF é o notável saber jurídico, os nascituros aguardam ansiosamente esse recobrar da razão de nosso futuro integrante da Suprema Corte para reconhecer que todas as normas técnicas do Ministério da Saúde — tanto dos governos do PT, do PSDB ou do PL, juntamente com toda a literatura médica internacional — sempre definiram o aborto como a perda do produto da concepção até a 20ª ou 22ª semana de gestação, ou quando o feto pesa 500 gramas. Matar a criança acima dessa idade é feticídio, não aborto.
Ainda, seguindo a razoabilidade, o ministro irá perceber que suas assertivas de que o interesse da mulher que aborta é dar fim à vida do bebê não comportam relação com a realidade, pois o único interesse da mulher vítima de estupro que quer realizar a interrupção da gravidez é se ver livre da gestação.
Matar o bebê não pode ser tido como um interesse a ser perseguido e muito menos tutelado pelo Estado, pois o bebê é totalmente inocente do crime cometido contra a mulher e esta, como toda pessoa normal, não tem e não deve ter desejos de vingança contra o pobre nascituro. Assim, a interrupção da gravidez, por meio da antecipação do parto dessas crianças viáveis, é a medida que sempre foi realizada e a que mais se adequa a uma sociedade dita civilizada.
No fim, pela fé ou pela razão, tanto os nascituros que são do movimento cataclísmico quanto os que não fazem parte dele esperam sinceramente que o futuro ministro reveja seu posicionamento sobre esse assunto tão importante e não se refira mais às mães reduzindo-as a uma expressão tão esdrúxula quanto “pessoas com útero”.
Perfeitas ou não, todas merecem respeito, pois são a expressão máxima do amor e todos nós, sem exceção, viemos ao mundo graças à nossa mãe, mulher que durante bons meses nos carregou em seu ventre — berço de vida, não de morte.




