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Deltan Dallagnol

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Justiça, política e fé

Judiciário

O incrível furto de champanhe cujo suspeito é juiz da Lava Jato

O juiz que se vendia como símbolo de virtude e perseguia quem combateu a corrupção agora é investigado por algo tão banal quanto vergonhoso. (Foto: Imagem criada usando ChatGPT/ Gazeta do Povo)

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“Tirem o crack do roteirista do Brasil” é uma frase que já se tornou comum nas redes sociais, um verdadeiro meme. Às vezes parece mesmo que nosso roteirista está sob influência de drogas pesadas, de tanto que os acontecimentos parecem ter saído de um roteiro de comédia política mal escrita. Mas, infelizmente, é tudo real.

O juiz federal Eduardo Appio foi afastado do cargo. Ele é aquele que herdou de Sérgio Moro a Vara da Lava Jato, em Curitiba, e se autointitulava o “renovador” da Lava Jato — mas que atuava, na verdade, como o seu coveiro. E o motivo do afastamento é digno de um roteiro tragicômico: suspeita de furto de garrafas de champanhe em Santa Catarina.

Sim, você leu certo. O homem que se dizia paladino da moralidade, que acusava a Lava Jato de ilegalidades e que tentava reescrever a história da maior operação anticorrupção do mundo, agora é investigado por furto de espumante. É o retrato perfeito da hipocrisia daqueles que buscavam um cisco no olho da Lava Jato, mas cultivam uma floresta em seus próprios olhos.

Para entender a ironia, é preciso lembrar quem é Appio. Durante o período em que assumiu a Vara de Curitiba, ele desmontou o trabalho de anos da Lava Jato, questionou decisões já transitadas e atacou procuradores e juízes da operação. Tudo em nome da “imparcialidade” — a mesma imparcialidade que o levava a usar a senha de computador “LUL22” e a doar para a campanha eleitoral de Lula.

Dentro do Judiciário e do Ministério Público, Appio era visto como militante político travestido de juiz. Seu passado levantava inquietações, afinal, a venda de um imóvel dele para o deputado petista André Vargas, condenado na Lava Jato, já havia sido investigada pela própria operação. No episódio, ele registrou a venda do imóvel por um valor inferior ao real e recebeu uma punição leve do tribunal.

Appio simboliza um tempo em que o certo virou errado e o errado virou padrão

A condução irregular da Lava Jato por Appio explodiu quando ele foi gravado ameaçando o filho de um desembargador que revisava suas próprias decisões, usando um nome falso e se passando por servidor público. Para seu azar, e sorte dos jurisdicionados, a ligação que mais parecia saída de um filme de máfia foi gravada. A Corregedoria do Tribunal abriu um processo disciplinar.

Mas a história não terminou aí. O ministro Dias Toffoli, o “amigo do amigo de meu pai” no Supremo Tribunal Federal (STF), interveio e suspendeu o processo disciplinar, transferindo o caso para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na época dominado por aliados de Lula ou magistrados com ambições de serem indicados ao próprio Supremo.

O CNJ, por sua vez, celebrou um “acordo de conciliação” com o Tribunal, inédito na história da República brasileira, livrando Appio de punição severa em troca de ele confessar “conduta imprópria” e se afastar da Vara de Curitiba. Traduzindo: ele foi poupado e ficou tudo por isso mesmo.

O tempo, contudo, é o melhor juiz. Recentemente, veio à luz um boletim de ocorrência em Santa Catarina, relatando o furto de garrafas de champanhe por “um homem de cerca de 72 anos, usando óculos e dirigindo um Jeep Compass Longitude D”. A descrição não se parece com Appio, que é mais jovem, mas o carro do ladrão pertence ao juiz.

O caso ainda está sob investigação, e todos têm direito à presunção de inocência. Mas o tribunal, de forma prudente, decidiu afastar Appio do cargo enquanto apura os fatos. Segundo informações de bastidores, há imagens de câmeras de segurança que podem esclarecer o episódio. Afinal, não é todo dia que se fala em juiz federal furtando garrafas de champanhe francês.

A história é tão surreal que, se não fosse trágica, seria cômica. O juiz que se vendia como símbolo de virtude e perseguia quem combateu a corrupção agora é investigado por algo tão banal quanto vergonhoso. O mesmo magistrado que um dia se arvorou de reformador da Justiça hoje responde por comportamento incompatível com a toga que vestia.

O juiz que se comportava como militante político, que confundia imparcialidade com partidarismo, agora colhe o fruto da sua própria conduta. E, para completar, pode voltar a ser protegido por estruturas corporativas que tratam magistrados como deuses intocáveis.

E onde está a grande imprensa que, durante meses, deu palco, microfone e manchetes a Appio? Onde estão os mesmos jornalistas que o tratavam como herói por atacar a Lava Jato? O silêncio é ensurdecedor. Quando a narrativa não serve mais, o personagem é descartado.

O episódio revela algo mais profundo: a falência moral de parte do sistema de justiça e a incapacidade da grande imprensa de checar personagens e fatos de forma rigorosa, de fiscalizar os poderosos, de questionar quem tem o poder da caneta.

Appio simboliza um tempo em que o certo virou errado e o errado virou padrão. Em que quem combateu o crime é perseguido, e quem o acoberta é promovido. Um tempo em que a Lava Jato foi desfeita, não porque errou, mas porque incomodou demais.

Agora, quem foi rápido em acusar procuradores e juízes de “abuso” precisa se explicar. E talvez entender que o verdadeiro abuso é usar a toga para servir a um projeto político — e não à Justiça -, o que é algo que deveria ter sido, mas nunca foi investigado a partir dos sinais que o juiz dava.

Enquanto o país assiste, incrédulo, ao juiz “LUL22” ser afastado por suspeita de furto de champanhe, resta uma lição amarga que Jesus nos deixou há dois mil anos: a árvore se conhece pelo fruto. Os fatos precisam ser investigados para definir se estamos diante do juiz Appio, ou apenas de mais um (lar)Appio que se colocou ao lado dos ladrões investigados pela Lava Jato.

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