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Santa Catarina não vive seus melhores dias. Está no olho do furacão dos temas emocionantes com o caso Mariana Ferrer. É desse mesmo Estado que saiu recentemente a pérola de iniciar impeachment de governador por cumprir decisão judicial. Carlos Moisés está afastado do cargo porque concedeu aumento aos procuradores estaduais obedecendo decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Caso desobedecesse a decisão, poderia ser afastado do cargo. Em seu lugar está a interina Daniela Reinehr, que primeiro teve dificuldades em rechaçar o nazismo e agora tem dificuldades para mandar até no próprio Twitter. Uma obra dessas não é fruto do acaso, depende de esforço.
Trago a vocês um outro caso envolvendo o Ministério Público e o Poder Judiciário de Santa Catarina. Há 9 processos abertos e pelo menos 50 boletins de ocorrência nos últimos 10 anos contra um homem que finge ser médico em aplicativos de encontros, diz querer relacionamento sério, vai conhecer as famílias das moças, pede em namoro e depois comete violência contra elas e rouba. Adivinhem onde ele está? No Tinder. Bem vindos à vida real.
Antes que você perca seu tempo e energia com a indignação ante a leniência das nossas leis penais ou a demora no Judiciário, já aviso que o problema não foi esse. Dirceu Augusto Galliani já foi condenado algumas vezes por diversos crimes. Em um dos processos, o juiz nem permitiu que ele respondesse em liberdade ao ver o número de reincidências. Foi preso e solto inúmeras vezes, continua no Tinder.
O caso Mariana Ferrer está sendo acompanhado como uma final de Big Brother. A maioria das pessoas felizmente não tem contato com a realidade de processos judiciais envolvendo abusos sexuais e estupros, então imaginam que cenas como aquelas só são possíveis quando paira dúvida sobre as alegações da vítima ou faltam provas. Na vida real, o julgamento moral sobre a sexualidade da vítima produz mais efeitos que o julgamento técnico da conduta do acusado.
Leis parecem muito objetivas, mas a condução do processo pode ser bastante subjetiva. Criminosos sabem disso e aí está a margem de manobra que têm para continuar delinquindo. O caso do "Guto" é lapidar. Registrado oficialmente em 50 boletins de ocorrência, tem diferentes procedimentos criminais abertos na Justiça em Balneário Camboriú, Blumenau, Brusque, Florianópolis, Jaraguá do Sul, Joinville, São Bento do Sul, São José, Itapema, Porto Belo, Presidente Getúlio e Timbó. O primeiro boletim de ocorrência é de 2010.
O método de ação é sempre o mesmo: fingir interesse em compromisso, ter intimidade sexual e levar todos os pertences que puder da vítima. Às vezes chega a engatar um namoro até aparecer a oportunidade. Presente em vários aplicativos diferentes, o criminoso mira em mulheres que estejam passando por um período frágil e desejam um relacionamento sério, não uma aventura. Nas comunicações, é sempre educado, atencioso e disponível. Simula um cotidiano de médico que equilibra atendimento em hospital com consultório particular. Pede em namoro e passa a conviver com a família da vítima. Então, de repente, dá um golpe financeiro.
Qual é o crime que o falso médico "Guto" comete? Na prática, a análise depende muito de como as autoridades julgam a vítima. Caso julguem que ela foi descuidada ao conhecer alguém num aplicativo, vai ser furto ou estelionato. Caso analisem a conduta dele aplica-se o artigo 215 do Código Penal, a Violação Sexual Mediante Fraude.
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Todas as vítimas praticaram atos libidinosos com o criminoso e algumas tiveram conjunção carnal. Em todos os casos, o fizeram porque houve uma fraude, ele fingia ser um médico em busca de um relacionamento e até ia conhecer as famílias. Em todos os casos, o objetivo dele era obter vantagem econômica. Por que na maioria dos casos ele é enquadrado só em furto ou estelionato? Porque se julga que a mulher foi descuidada ou deveria ter conferido melhor. Quem faz isso não é o advogado dele, é quem deveria defender as vítimas.
Vítimas mais julgadas que o criminoso
Em Balneário Camboriú há duas vítimas. Uma delas conheceu o falso médico por um aplicativo no ano de 2016. No Ano Novo de 2017, ele pediu a vítima em namoro e planejaram apresentá-lo à família dela. Passaram a noite juntos. No dia seguinte, a moça deu falta do dinheiro que estava na carteira. Acabou achando uma reportagem de condenação prévia do falso médico e foi à polícia.
A outra vítima começou um relacionamento com o falso médico em 2017. O casal foi ao shopping com uma amiga da vítima porque o "namorado" iria comprar um presente especial. Ele ficou encarregado de arrumar vaga para o carro e as duas moças esqueceram seus celulares no veículo. Na hora de passar o cartão para comprar o tal presente, ele disse ter um problema e pediu emprestado o cartão da namorada com a senha. Sumiu levando o cartão e os dois celulares.
O Ministério Público quis ser duro, então relacionou os dois crimes para ver se conseguia um aumento de pena, o que é possível pela lei. Mas qual foi a denúncia? Transcrevo. "Assim agindo, o denunciado praticou as condutas tipificadas no art. 155, §4º, inciso II; no art. 155, caput; e no art. 155, caput, c/c art. 71, todos do Código Penal". Furto e crime continuado. Nem se cogita falar da Violação Sexual Mediante fraude, que vale para qualquer ato libidinoso. Pode ser a diferença entre colocar ou não o criminoso na cadeia.
A pena para furto é de 1 a 4 anos. O mais comum é pena mínima, mas todas penas de até 4 anos podem ser substituídas por prestação de serviços. O Ministério Público tentou a tese de crime continuado para ver se, de repente, jogava a condenação para 5 anos e conseguia finalmente prender o criminoso, inclusive anexou sua longa ficha penal ao processo. Mas nem se pensa na Violação Sexual Mediante Fraude, que tem pena de 2 a 6 anos de reclusão. Não se trata de má-fé, maldade nem leniência, mas de hábito. Julga-se que a vítima deveria ter se protegido mais em vez de analisar objetivamente quais foram as condutas do réu.
Em junho de 2017, o golpista conheceu uma moça em Blumenau pelo Tinder e começaram a namorar. Ele furtou as chaves reserva do apartamento e, numa tarde em que saíram para tomar um café e a vítima disse que iria pegar a filha na aula de tênis, ele fez a limpa no apartamento. Levou "uma televisão Phillips, de 40 polegadas, um telefone celular marca Blu, de fundo amarelho, um telefone celuar Apple Iphone, um tablet Apple Ipad mini 32 Gb, um notebook Apple de 14 polegadas, cor prata, um videogame X-BOX-360, branco, uma parafusadeira vermelha, cartão de crédito da Viacred, dentre outros objetos", diz a denúncia.
Todos esses objetos foram encontrados na casa dele no dia 18 de agosto, numa busca e apreensão da polícia civil na cidade de São José, derivada de outra denúncia igual. Novamente não foi levado em conta que ele se vale de fraude não só para roubar, mas também para violar a intimidade e a dignidade de mulheres. "Assim agindo, Dirceu Augusto Galliani infringiu o disposto no artigo 155, parágrafo 4º, incisos II (fraude) e III (chave falsa), do Código Penal", concluiu o Ministério Público. Até a chave falsa foi cogitada para tentar finalmente prender o falso médico, mas não a fraude para ter relações sexuais.
Em Joinville, o Ministério Público fez uma denúncia evidentemente indignada com o número de boletins de ocorrência que o falso médico acumulava pelo mesmo crime e iniciou uma tentativa diferente para finalmente dar uma punição.
Em 1o de outubro de 2017, o falso médico e sua nova vítima foram, com o carro dele, fazer uma caminhada num condomínio aberto de Joinville, o Parc de France. No meio do passeio, ele disse que iria pegar água para os dois no carro. Foi embora, levando a bolsa da vítima, com o celular, cartões, caderneta com todas as senhas e R$ 80. "No dia seguinte o denunciado, às expensas da vítima, utilizando o cartão de débito obtido ilicitamente, contratou empréstimo de R$ 3.271,47 (três mil, duzentos e setenta e um reais e quarenta e sete centavos) e efetuou dois saques na agência bancária de São José/SC, às 9h15min, nos valores de R$ 840,00 (oitocentos e quarenta reais) e R$ 2.000,00 (dois mil reais), além de efetuar um compra no Supermercado Giassi no valor de R$ 137,65 (cento e trinta e sete reais e sessenta e cinco centavos), além de utilizar o cartão em outro estabelecimento no valor de R$16,90 (dezesseis reías e noventa centavos)", diz a denúncia.
Neste processo, a polícia recomendou prisão preventiva mesmo antes do julgamento em primeira instância, devido ao impressionante histórico de registros. O Ministério Público concordou e ele até já estava preso na época por outro crime. No entanto, qual foi a denúncia desde caso? Apenas sobre os valores roubados, como se a violação da intimidade não fosse importante ou não tivesse a previsão legal que efetivamente tem. Foi pedido enquadramento no famoso 171, Estelionato:
"Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento".
O estelionato também foi a opção encontrada em São José para o caso em que o falso médico conheceu uma moça pelo celular Happn e, após passar a noite com ela, pegou emprestados um moletom, um videogame e uma mochila, dizendo que devolveria tudo no mesmo dia. Retornou à noite, não devolveu, pegou um celular e um HD externo. A moça foi à polícia. Mais uma vez, há uma escolha por não se tocar no assunto da conduta sexual predatória, para a qual já existe remédio na lei.
Enquanto tudo isso acontecia, o mesmo Ministério Público de Santa Catarina e o mesmo Poder Judiciário de Santa Catarina ficaram três anos tentando descobrir onde estava o falso médico para prestar depoimento em outro caso semelhante, ocorrido anos antes, em 2014. Em 2015, concluiu-se que o paradeiro era desconhecido, então ele deveria ser citado por edital. Em 2016, os promotores de São Bento do Sul levantaram dois endereços onde ele podia estar e passaram ao juízo. Em 2017, ainda sem achar o réu, o Ministério Público pediu a suspensão do processo para que ficasse suspenso também o prazo de prescrição.
Apenas em dezembro de 2018 o Ministério Público consegue descobrir onde estava o criminoso: num presídio em Jaraguá do Sul, cumprindo pena por outro crime. De lá até hoje, esse processo específico por estelionato não teve nenhuma outra movimentação. Ocorre a mesma coisa agora em outro processo, movido em Porto Belo. O falso médico iniciou um relacionamento amoroso e, dois anos depois, ofereceu-se para levar a TV de 43 polegadas da vítima ao conserto. Ele sumiu e ela percebeu que também havia levado R$ 900 que estavam na bolsa. Foi oferecida denúncia por estelionato. Em 23 de janeiro deste ano, ao não encontrar o réu para citação, o Ministério Público pediu que ela seja feita por edital.
Um exercício de lógica mais que necessário
Devido à repercussão do caso Mariana Ferrer, o Procurador-Geral do Ministério Público de Santa Catarina, Fernando Silva Comin, fez ao presidente Jair Bolsonaro e aos presidentes da Câmara e do Senado um pedido oficial para que o Brasil crie um "rape shield", legislação que já existe nos Estados Unidos e em diversos outros países desde a década de 90 para proteger vítimas de crimes sexuais. Contestar a conduta delas para a não mais ser admissível como prova em julgamentos, como ainda é no Brasil.
Trata-se de uma ação muito positiva e que, se levada adiante, tem potencial para mudar a forma como são tratadas as vítimas de crimes sexuais em todo o país. Mudar a lei é mais fácil que mudar culturas ou atacar comportamentos que são evidentemente nocivos. No caso do MPSC a bomba estourou diante da inércia ao ver uma vítima esculachada pela defesa do réu. Mas há inúmeros outros casos em que se entendeu o drama, houve respeito e boa vontade, mas a ideia de que a mulher deveria se defender é tão arraigada que produz efeitos nas ações.
Em todos os processos há uma falha lógica. A conduta fraudulenta considerada suficiente para provocar lesão financeira não é considerada suficiente para provocar lesão à honra e à intimidade, a violação sexual. É a mesma pessoa causando dois danos diferentes com a mesma conduta, tudo isso previsto em lei. Ou a conduta é suficiente para enganar uma pessoa ou não é.
A questão surge primeiro na cidade de Itapema, onde o falso médico aplicou um golpe numa moça com quem estabeleceu um vínculo de namoro. Ele disse que estava com problemas financeiros, então pediu para depositar R$ 25 mil em uma conta da namorada, que lhe daria um cartão emprestado para usar esse dinheiro. Algum tempo depois, ela desconfiou da movimentação e descobriu que o golpista havia contraído um empréstimo de R$ 25 mil em nome dela, no caixa eletrônico, usando o cartão que foi emprestado.
Em quase todos os processos, o golpista diz que não se aproxima das vítimas por vantagem financeira, ele realmente tem a intenção de manter um relacionamento com elas e não sabe por que acaba roubando depois. Ou seja, ele não teve a intenção. O Ministério Público de Santa Catarina concluiu pela inexistência de crime e falta de comprovação do dolo, afinal a vítima confiou em alguém que conheceu há pouco tempo em um aplicativo:
"De sua narrativa depreende-se que possivelmente a vítima teria emprestado dinheiro seu, da sua conta, para o indiciado, justificado, dentre outras razões, porque ele queria formar uma família consigo e pagar suas contas. Acreditou na promessa e entregou ao indiciado o que ele pedia, sem ameaça, sem chantagem, sem ser induzida ou mantida a erro – ela não adotou os cuidados necessários, nem em relação à identidade do investigado – , haja vista que mantinham um relacionamento amoroso entre si – tudo de livre espontânea vontade.", diz o parecer do MPSC (grifo meu).
O próprio Ministério Público, ao julgar a conduta da vítima e não a do réu, concluiu que ele não teve dolo, houve apenas um desentendimento amoroso a ser resolvido nos tribunais cíveis. "Por fim, a hipótese está a invocar a norma que decorre do princípio da intervenção mínima que informa o Direito Penal, haja vista a ocorrência de um desacordo entre as partes, ocorrida ao tudo indica, com o fim do relacionamento amoroso. A tipicidade penal pode e deve ser afastada", diz o MPSC. Isso foi em maio do ano passado, quando o falso médico já acumulava diversas condenações em Santa Catarina.
Vale a pena para a vítima contar a história toda?
Após 4 meses de investigação sobre o golpista que enganava mulheres na região litorânea de Santa Catarina, a polícia de Jaraguá do Sul prendeu o falso médico que, até então, tinha 8 processos judiciais e emitiu um comunicado reconhecendo a situação humilhante em que ficam as vítimas. "O delegado responsável pelo caso, Leandro Antônio de Sales, acredita que existam várias outras vítimas que não comunicaram o fato à Polícia Civil por vergonha, já que o agente teria mantido relacionamentos íntimos com algumas das vítimas antes de aplicar os golpes. O delegado destaca que o autor é especialista em enganar as mulheres, sendo de suma importância a comunicação dos fatos para que ele seja responsabilizado e evite que outras pessoas sejam vitimadas", diz o comunicado. Esse delegado indiciou o golpista por Violação Sexual Mediante Fraude.
O grande problema é que assumir ter tido relações sexuais com o golpista, em vez de agravar a situação dele, acaba aliviando. A defesa dele sempre tenta afastar o dolo e dizer que foi um crime de oportunidade, cuja pena sempre é menor. Qual o truque? Dizer que ele realmente queria um relacionamento. No caso em que a vítima disse que não queria relacionamento com ele, ficou clara para a juíza que a única intenção da aproximação era mesmo roubar.
Parece um pesadelo, mas negando que ele também a tivesse enganado para obter vantagens sexuais e focando apenas nos bens materiais, a vítima vê a pena aumentar. "E ainda que o réu tente minimizar sua conduta, ao aduzir que tinha a intenção de ter um relacionamento com a vítima e que não desejava subtrair seus bens até a noite dos fatos, em nítida tentativa de afastar a qualificadora da fraude, capitulada no inciso II do § 4º do artigo 155 do Código Penal, tem-se que esta restou devidamente comprovada, afastando-se, por conseguinte o pleito defensivo de desclassificação para furto simples.
Isso porque a vítima confirmou que conversou com o réu, quase que diariamente, por dois ou três meses antes de saíram juntos e que confiava nele como se fosse um amigo, pois "conversavam sobre tudo", tanto que deixou seus pertences aos cuidados dele sem qualquer desconfiança, bem como nunca teve intenção de ter um relacionamento amoroso como ele.
Deste modo, resta evidente que o réu se aproximou da vítima e manteve contato quase que diário com ela com o objetivo de ludibriar a sua confiança e criar uma situação de amizade para que pudesse praticar o furto, tanto que forneceu nome (Gustavo) e profissão (médico) falsos, agindo, pois, mediante fraude para iludi-la", diz sentença de primeira instância em Palhoça.
No caso específico, trata-se de uma mulher divorciada que foi enganada pelo Facebook. A versão do falso médico é de que ele foi na casa dela, mantiveram relações sexuais, foram numa lanchonete depois e, quando ela foi ao banheiro, ele levou embora a bolsa e o celular dela. Já a vítima disse que falou durante 2 meses com o golpista pelo Facebook e estava apenas buscando novas amizades e saíram apenas para o lanche. Furtar os pertences dela nessas condições é visto, na prática, como mais grave que mentir para aproveitar-se sexualmente da situação e depois ainda furtar.
Na sentença, que decidiu pela soltura imediata no último 30 de julho, uma juíza concluiu que não havia elementos para uma análise segura sobre o caráter do réu, o que tem impacto direto na pena. "O réu não ostenta antecedentes criminais, pois as condenações com trânsito em julgado são de fatos anteriores ao destes autos. Acerca da conduta social e personalidade não se coletaram elementos para uma segura análise. Os motivos do crime foram os normais em crimes contra o patrimônio, já que voltada a conduta à obtenção de lucro fácil em prejuízo alheio. As circunstâncias e as consequências foram normais à espécie. O comportamento da vítima em nada influiu para a violação da norma", diz a sentença.
A juíza decidiu converter a sentença de 2 anos, que seria inicialmente cumprida no regime semi-aberto - já que a acusação era apenas de furto qualificado - em prestação de serviços. "Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, pois a pena foi fixada no regime aberto e houve a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Expeça-se alvará de soltura, colocando-se o réu imediatamente em liberdade, salvo se por outro motivo estiver preso, ocasião em que deverá ser intimado desta sentença e informar endereço completo onde irá residir". A juíza também determinou que esse endereço seja repassado a Porto Belo e Camboriú, para que se atualize nos processos de lá.
A primeira vez em que prenderam o falso médico foi no ano de 2015. Solto por não ter sido preso em flagrante, foi preso novamente em 2018. Solto de novo, foi preso novamente no ano passado. Ficou preso em prisão provisódia mas condenado a pena que é substituída por prestação de serviços à comunidade.
Nos últimos meses, ele voltou a aparecer nos aplicativos de encontros, mas as mulheres começaram a se mobilizar pelas redes sociais. Essas redes têm instrumentos de inteligência artificial para impedir a atuação de criminosos anônimos ou usuários de nomes falsos, mas optam por deixar correr solto. Pessoas reais, vítimas dos ataques de golpistas, precisam se expor nas mesmas redes para conseguir resultados.
Mulheres que acompanham o caso sabem bem do desleixo na maioria das acusações, a minimização do sofrimento da vítima e a tradicional inversão de valores, em que se julga mais a conduta da vítima que do acusado. Resolveram então montar armadilhas e fingir que estavam aceitando os encontros para depois levar tudo à polícia. É um esforço considerável, mas não teve o resultado esperado, já que só se pode abrir mais um Boletim de Ocorrência e talvez tentar a prisão se ele realmente cometer um novo crime. Por enquanto, oficialmente, ele está no Tinder para conhecer novas pessoas.
Na última sexta-feira, a informação era de que o falso médico estava na Penitenciária de Florianópolis. No entanto, os perfis dele em redes sociais continuam ativos. Poderia ser outro golpista herdando a estratégia? Ele tem celular na cadeia? Vai ficar preso de vez? Conseguiu sair? A maioria dos processos contra ele continua parada. Em alguns casos, nas vezes em que ele recebe pena alternativa, algum promotor pede para converter para tempo de prisão e adicionar à que ele cumpre. Mas, se não for atacada a questão do abuso, da fraude que impede a mulher de tomar uma decisão clara sobre consentimento, ele ainda vai fazer muito sucesso nas redes.
A única certeza que temos é que eventuais vítimas do mesmo golpe terão muita dificuldade em encontrar tratamento digno se decidirem recorrer à Justiça. Enquanto a lei é rigorosa, a aplicação da lei passa por preconceitos arraigados, como o de que a mulher deveria se cuidar melhor e o criminoso não fez tanto mal assim se não espancou. Precisamos mudar essa cultura. Não é possível precisar de mais de 50 queixas à polícia para que se reconheça a periculosidade de um criminoso sexual.