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Há alguns anos, diversos influencers ainda iludiam o público dizendo que as redes sociais eram a garantia da liberdade de expresão do cidadão comum contra a ditadura dos "jornas". O golpe está aí, cai quem quer. Ficaram ricos contando lorotas, espertos eles. Resolvi, naquela época, documentar as mentiras contadas pelas Big Techs, o caráter podre de influencers que posam de bonzinhos e a absoluta inutilidade de guias para defesa da liberdade como o da Abraji e da OAB. Segui todas as dicas que deram para comprovar que o sistema é feito para não funcionar. Chegou o dia em que isso serviu para algo, este artigo.
Semana passada, o YouTube derrubou um vídeo do Canal Hipócritas alegando que fazia bullying com a atriz Maria Flor. É mentirosa a afirmação da plataforma de que bullying é motivo para derrubar vídeos. Em processo que tramitou no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o YouTube contratou um dos melhores escritórios de advogados do Brasil para defender que bullying e ameaça velada de pessoas mascaradas são liberdade de expressão, mantendo no ar até hoje um vídeo com esse conteúdo, monetizado em vários canais.
Mostrado como novidade agora por diversos influencers, o Canal Hipócritas foi apresentado pela mídia tradicional pela primeira vez há 3 anos aqui na Gazeta do Povo. Em março de 2018, fiz uma entrevista com eles, que começavam a fazer muito sucesso desnudando o duplo padrão moral dos lacradores. Também considerei interessante o fato de serem cristãos. Bloqueei o canal nas redes depois que se envolveram com milícias virtuais e participaram, dizem eles que inocentemente, de um ataque virtual contra mim. São questões que, pouco a pouco, o Poder Judiciário deixará claras.
Dito isto, garanto que o vídeo retirado do Canal Hipócritas nem de perto chega à baixaria e ao potencial risco de violência real do vídeo que o YouTube brigou judicialmente para manter na sua plataforma, mesmo afirmando textualmente ignorar quem fossem os autores. Movi o processo seguindo à risca a cartilha das associações de jornalistas e da OAB. Ele serve para demolir o mito de que elas funcionam e de que as plataformas identificam os responsáveis por delitos para que possam ser responsabilizados. Não o fazem deliberadamente, com anuência da Justiça, como ficou provado no processo.
O vídeo, com 39 minutos de duração, é apresentado por dois homens mascarados com as vozes distorcidas e fala exclusivamente sobre a minha pessoa. A parte que me preocupou não foram as ofensas de cunho sexual nem o incentivo a atos violentos contra mim, mas as ameaças veladas. O YouTube não tirou o vídeo do ar, contratou um escritório para defender judicialmente sua permanência na rede, o mantém monetizado em mais de um canal e não revelou quem são os autores.
É um tipo de material que atrai pessoas problemáticas, algumas que estavam nas minhas redes. Após a publicação, alguns seguidores deste canal começaram a procurar e postar publicamente informações pessoais minhas, fotos de dentro da minha casa e informações sobre o meu filho. Mensagens privadas minhas também começaram a surgir nas redes. Uma ameaça velada contra o meu filho, com a foto de uma arma de fogo, foi postada em um fórum da deep web. Rapazes que eu não conheço foram até a escola dele perguntando por ele. Segundo o YouTube, isso chama "liberdade de expressão". Mas só no meu caso, no da atriz Maria Flor, muito menos que isso é bullying e o vídeo sai do ar na hora.
Não me restringi a reclamar na plataforma e falar com os canais disponíveis para jornalistas e personalidades públicas porque sei como respondem. Após o tratamento diferenciado, com duplo padrão, protegendo apenas aqueles que o YouTube quer proteger, a empresa sempre diz que se enganou ou que o algoritmo errou na análise. Resolvi entrar judicialmente para mostrar que não é erro. No meu caso, o YouTube contratou um escritório de advogados para argumentar judicialmente que bullying e ameaças veladas não são suficientes para tirar um vídeo do ar. Ele está lá até hoje, monetizando, em vários canais.
Alguns trechos do vídeo de 39 minutos que está no ar no YouTube até hoje.
"Começamos o bloco Madeleine Lacsko, um beijo. Não tenho nada contra você, mas é meio burra. Se eu esquecer depois eu vou lembrar agora. Olha só, gente, peço nas zoações para pegar leve com ela porque ela é mulher. Não fica falando baaaah mal do corpo dela. (Duas risadas ao fundo - porra, que que é isso)."
"Aí, é aquela questão. Madeleine, Madeleine: e se não for? E se não for? E se você estiver errada, como às vezes as pessoas estão erradas. Você tem um plano B para essa contigência de, de repente, as paradas não serem assim e estar rolando uma coisa que você não tem ideia do que que é. Ela não sabe o que a gente é, ela não conhece a gente."
" Fala, fala com ela. Pode chamar de burra? Fala burrinha."
"Falta de talento aliada à ausência de senso crítico. A mulher faz duck face com 40 anos, no vídeo dela ela morde o dedinho fazendo carinha de quem tá gostando demais."
"Ela se identifica como cristã e não-sei-o-quê. Tipo, as palavras não significam mais. As palavras se gastaram, a palavra não vale mais do que 5 centavos. Ah, cara, isso aí acho que rolou um vinho. Que você sabe, hoje, o vinho nunca vai só. Sempre rola umas pílulas bizarras. Então, devia estar rolando um… Na cabeça dela, o mundo é assim"
" Vão se fuder. E eu ainda fico pensando nisso. Caralho, como eu sou babaca! E, tipo assim, se você for pensar em termos religiosos, você ter fé é você aos poucos deixar de ser babaca… deixar de ser babaca. Isso é um bom exercício inclusive religioso, de você falar “caralho, que babaca eu sou”, para você não ter uma imagem engrandecida, agigantada de si mesmo. É aí a tal da porra da humildade."
"Madeleine, uma frase não é mais complexa que… não é mais complicada, Madeleine. Muitas vezes ela é só imbecil!"
"A gente é a turma do fundão. E a gente tá jogando bolinha de papel molhado, assim, em vocês e vocês não estão sabendo reagir porque vocês são “teacher pets”, vocês são os queridinhos da professora cara".
"Agradecimentos finais: Valeu, Bernardo Kuster, estamos juntos nessa porra. Obrigado Cristiano Xavier, do Trânsito Médio. Obrigado, Fábio Gonçalves, valeu pelo artigo das (ininteligível) Assistam o canal do Anzu, o nosso (ininteligível) Assinem o LiloVlog Valeu a galera que apóia a gente no Apoia.se Valeu, Gustavo e Renato pelos microfones."
Os comentários dos usuários, demonstrando o estado de espírito em que se colocavam diante dessa superprodução, também foram anexados ao processo. Estão no YouTube também, que é responsável por manter todas essas pérolas no ar até hoje. Fosse contra a atriz Maria Flor, talvez fosse tirado do ar por ser bullying. No meu caso, mesmo sendo anônimo, o que é contra a Constituição brasileira, o YouTube defende judicialmente que é liberdade de expressão. Os autores do vídeo, que hoje conseguiram seu lugar ao sol junto a colegas meus, alegavam na época que não eram anônimos, usavam pseudônimos. Mentira. Fosse isso, estariam disponíveis para se responsabilizar judicialmente, o que jamais fizeram.
O YouTube jamais revelou a identidade dos mascarados que até hoje mantém um canal na plataforma e participam de outros canais regularmente. No processo, andou na corda-bamba da verdade. Se o canal monetiza, quem recebe? O YouTube não tem o CPF dessa pessoa? Minha preocupação era sobre o quanto levariam a cabo as ameaças veladas. No final, descobri que o autor da obra é produtor do Brasil Paralelo e, até hoje, que se saiba, não matou ninguém. Menos mal. Parabéns a você que viu o belíssimo especial de Natal e está alavancando carreiras tão inspiradoras.
Não pense que a questão do YouTube é ideológica, censurar quem se diz conservador. A linha ideológica se mistura. Esse canal também se dizia conservador, mas hoje é também parte da programação de outro canal, que reúne diversos outros produtores de conteúdo difamatório. Todos se dizem conservadores, mas não expressam esses valores, vivem da infâmia. Já processei alguns, a maioria é campeã olímpica em fugir de oficial de Justiça mas, pouco a pouco, as coisas andam. O curioso é que o organizador da plataforma é conhecido professor de Direito do Insper, colega de Fernando Haddad na faculdade do respeitadíssimo ex-ministro de Lula, Marcos Lisboa. Os vídeos deles não são bullying jamais.
Há um duplo padrão difícil de explicar. Eu já tive vídeos banidos do meu canal por requisição de direitos autorais sobre imagens públicas ou do meu rosto. Já fiquei 3 meses sem poder transmitir lives do meu canal pessoal por "violações de direitos autorais". Outros canais, no entanto, veiculam vídeos meus, monetizados, sem a minha autorização, livremente, há anos. Falo do meu exemplo porque é o que conheço melhor, mas você deve conhecer diversos outros. Ouço reclamações semelhantes e bem mais graves diariamente. A grande questão é como o YouTube define quem vai massacrar e quem vai beneficiar na rede. Já sabemos que os critérios alardeados não conferem com a realidade.
Se o YouTube derruba vídeos por bullying, como consideraria um vídeo com o seguinte conteúdo? "QUEM VOCÊ ACHA QUE VAI GANHAR ESSA BATALHA?(...) ...é um ódio…(...) Esse personagem da jornalista metida a doidinha que quer ser o centro das atenções entre os homens, então, já peguei algumas, já sei como é que é. Então, nós conhecemos vocês. Nós conhecemos vocês e vocês não conhecem a gente. Eu sei quem você é." Segundo os advogados do YouTube, não é bullying, é só um conteúdo que "não é do agrado da Autora", no caso, eu. Ainda bem que o YouTube é sempre coerente e a gente pode confiar.
Os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também não consideram que houve ofensa, difamação, nada disso. Foi só uma crítica. Por isso, o relator não viu motivo para remover o vídeo. Dessa forma, além de não ser removido deste canal, foi postado em outro, virou podcast, foi recortado e distribuído por whatsapp. O mais importante é o progresso profissional do produtor junto aos meus colegas. Fico realmente emocionada que o pessoal do Brasil Paralelo tenha reconhecido esse talento e dado uma oportunidade à ética, credibilidade e respeito aos valores humanos.
De toda essa história, o resumo da ópera é que não se escreve o que dizem as plataformas sobre seu conteúdo. O objetivo é dinheiro, custe o que custar, pisoteie quem pisotear. Vários países já começaram processos de regulamentação que as plataformas querem pintar como intervenções, mas não são. Trata-se apenas de fazer com que elas sigam as leis, como são obrigadas todas as demais empresas de todos os outros setores da economia. Pode haver muitas dúvidas sobre toda a questão de conteúdo em redes sociais, mas já temos uma certeza: as plataformas não podem dar a última palavra nessa questão.