No meu sonho, é hoje que o Senado vai votar a indicação de Flávio Dino ao STF e estou no meio da Comissão de Constituição e Justiça, a famosa CCJ. A sala está lotada de senadores e jornalistas. Lá na frente, Davi Alcolumbre tece elogios a um amplo e efusivo Dino, ao redor do qual parecem gravitar mil foices e mais mil martelos. De repente, um unicórnio atravessa a sala, mas ninguém parece se importar. Sonhos, sabe como é.
Depois que o unicórnio sai por uma porta lateral, percebo que o senador Sérgio Moro está falando. Me surpreendo com sua voz grave e aveludada, mas aí me lembro de que só um sonho. Ele exalta, sim!, exalta os dons jurídicos de Flávio Dino com adjetivos impronunciáveis. “Supercalifragilisticexpialidoce”, diz. E me lança uma piscadela. Será que estou sonhando, me pergunto. Estou.
“Que time é teu?”, pergunta algum senador petista, para logo em seguida se corrigir: “Que time é teu, excelência?”. Dino responde que o futebol é o ópio do povo. Os jornalistas, todos com camiseta “I <3 Dino”, aplaudem. Sonhos. General Mourão assume o microfone e canta Sinatra. Sonhos. Damares e Leila jogam vôlei. Sonhos. O Astronauta está usando uma peruca e parece a Janaína Paschoal. Sonhos. E Randolfe Rodrigues é um boneco de ventríloquo no colo do... Epa que esse sonho está ficando perigoso!
Em resumo, depois de muitas perguntas com trocadilhos impublicáveis neste jornal e depois de muitas piscadelas em minha direção, o nome de Flávio Dino é aprovado por unanimidade na CCJ e vai à votação no plenário. Todos saem, menos eu e o comunista. O comunista e eu. Eis que entra uma empilhadeira. No meio do Senado! Mas o que é que uma empilhadeira está fazendo no meio do meu sonho (e do Senado), meu Deus? Sei lá. Só sei que é agora que a coisa fica boa.
NÃO!
Rodrigo Pacheco está comendo pão-de-queijo. “Vamos começar o trem?”, pergunta ele. Os senadores, transformados todos em crianças com o uniforme bordô do colégio Madalena Sofia da década de 1980, dizem “siiiiiiiiiim, tio Pacheco”. O senador Romário pede a palavra e, enquanto faz embaixadinhas (sonhos), pede para que a votação seja aberta. “Tem que ser aberta, peixe”, diz ele. Pacheco não se opõe e Romário emenda: “Então meu voto é NÃO. Flw vlw”. Sonhos.
O senador Petecão, com direito a penas na cabeça e tudo, também vota NÃO. Renan Calheiros é o próximo e NÃO. “Se o Renan votou ‘não’ eu também voto”, diz o senador Omar Aziz. Arma-se a confusão, todo mundo querendo falar ao mesmo tempo. “Nananinanão”, diz Randolfe Rodrigues todo bonitinho de terninho infantil. Jacques Wagner, Cid Gomes e Leila, todos votam “não”. Contarato diz que “nem morto!” e Kajuru balbucia “n-n-não”. Atônitas, mais do que o normal, Eliziane Gama e Soraya Thronicke votam “não”. Humberto Costa, o sanguinho escorrendo pelo canto da boca, também rejeita Dino. Sonhos.
Eis que entra o grande (sem trocadilho, por favor) indicado. Que já é ex-futuro ministro, mas não sabe. Como um imperador romano, Flávio Dino chega numa liteira carregada por quatro ministros do STF que não sou nem louco de citar aqui. Sonhos. “O que é que está acontecendo?”, troveja ele, levando um cacho de uva à boca. Bem desse jeitinho que você está imaginando aí. “Como vocês ousam contrariar a vontade do Grande Lula?”, pergunta, agora fazendo malabarismos com duas coxas de frango. Sonhos.
“Rá! É que a gente cansou de ser chantageado pelo Supremo. Yeah yeah glu glu!”, responde desafiadoramente o senador Cleitinho (ou seria o Seif?), boné para trás e tudo. Sonhos. Os quatro ministros do STF soltam a liteira e ficam ali igual àquele meme do John Travolta. Depois de um discreto abalo sísmico, Tereza Cristina diz: “O STF não é lugar de comunista!”. Aplausos. Flávio Bolsonaro se anima. “Meu pai mandou dizer que você é um bobão!”, diz. Aplausos e, para não perder o costume: sonhos.
Alheio ao que acontece à sua volta, Jader Barbalho, com um prato de rãs à provençal* diante de si, pega o microfone para dizer “não”. Todos riem do atrasadinho. “A gente cansou de ser capacho do Supremo. A partir de agora vocês vão ver o que é bom pra tosse”, discursa Magno Malta. “E outra coisa: pode devolver o mandato do Dallagnol que vocês garfaram na cara dura! Tá pensando o quê?”, diz Sérgio Moro, todo valentão. Sonhos. Flávio Arns concorda. Sonhos, sonhos e mais sonhos.
Ao meu redor, os jornalistas choram. Com a maquiagem toda borrada, Andréia Sadi anuncia que, pela primeira vez desde 1894, o Senado rejeitou um nome indicado ao STF. “Tadinho”, conclui ela. Começa a tocar o Hino Nacional, mas em ritmo de marchinha de Carnaval e interpretado pelo cara da caneta azul/azul caneta. Vestido de Rei Momo, Flávio Dino ignora a humilhação política e cai na folia. “E, aproveitando que a gente tá em festa, vou dar prosseguimento agora ao impeachment do ministro Alexandre de Moraes”, anuncia Pacheco em meio a uma chuva de confetes. Sonhos.
* Essa só os mais velhos vão entender.
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