Um sujeito foi flagrado vendendo água doada para os flagelados pela enchente no Rio Grande do Sul. “Admito que isso é um crime”, disse o sujeito ao repórter da RBS, depois de muitos “ãs” e “veja-bens”, numa evidente luta para encontrar uma justificativa para seu ato vil. Até que, encurralado, ele partiu para cima da equipe de reportagem. Tarde demais: a essa altura o país já sabia que o sujeito era um canalha, subtipo absoluto.
A escória da Humanidade é essa que se aproveita de uma tragédia para lucrar. Ou, por outra, que se apropria da bondade alheia para lucrar. E não estou falando apenas do sujeito que deu ouvidos ao diabo e achou que era uma boa ideia vender água doada, isto é a honra, a honestidade, a virtude, a dignidade, a respeitabilidade por um punhado de vinténs (essa, aliás, não é a tragédia de Judas?); estou falando também de celebridades e políticos.
Mas o ponto do texto não é esse. O ponto do texto é dizer que existe um Brasil macunaímico, representado tanto pelo sujeito que vendia água doada quanto pelo presidente da República, e um outro Brasil. Essa é a verdadeira polarização. Esse é o verdadeiro confronto. De um lado, oportunistas de todos os tipos, alheios à quaisquer fronteiras ideológicas e interessados apenas no próprio umbigo; de outro, uma gente que ainda (mas não sei por quanto tempo) teme a Deus e procura fazer o certo – embora aqui e ali fracasse. Afinal, somos imperfeitos.
Vale lembrar, no entanto, que esse Brasil malandro e que gosta de levar vantagem em tudo não é novo. Tampouco é produto do PT. Afinal, a propaganda que criou a famosa Lei de Gérson é de 1976. E em catástrofes recentes, com as enchentes no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, e os deslizamentos em Petrópolis, também houve desvios de donativos. O que quer dizer que estamos fadados à desonestidade, certo? Errado!
Lições da enchente
Errado e vou além: tanto à esquerda quanto à direita materialista, interessa que você desconfie do seu vizinho. Para esses dois grupos, a imagem do brasileiro como um povo naturalmente solidário é prejudicial. À esquerda porque eles acreditam que a solução está no Estado. À direita materialista porque eles acreditam que a solução está no lucrativo ímpeto imoral do “cada um por si”.
Isso é o que eles querem: calar aquela bondade quase infantil e assim meio jeca (no melhor dos sentidos!) que faz com que ignoremos quaisquer diferenças em situações de dificuldade. E como pretendem fazer isso? Usando sua indignação e seu senso de justiça já muito aviltado, leitor, para reforçar a ideia de que o brasileiro é intrinsecamente mau e despreza seu semelhante*. Um problema para o qual a solução seria o Estado (esquerda) ou a lei do mais forte (direita materialista).
Por isso vale prestar bastante atenção às lições que a catástrofe natural nos ensina. Lições como:
- Por mais que não tenhamos gulags nem nada do gênero, já vivemos sob um Estado totalitário;
- O PT é incompetente e só prospera em tempos de abundância, quando tem a oportunidade de enganar desavisados com a promessa de redistribuir riquezas;
- Na hora do vamovê e do pegapacapá, o drama identitário revela o que de fato é: uma demanda de mimados que nunca enfrentaram uma dificuldade real na vida;
- A sociedade tem que decidir: ou usamos o conhecimento e a tecnologia a nosso favor ou nos submetemos à força destrutiva da natureza pristina;
- Etc.
E a mais importante delas: apesar do Estado totalitário, da incompetência dos governantes, da falência da educação, da tirania identitária, da polarização política, da imprensa que nos trata como inimigos e orienta nosso olhar para o que há de pior no ser humano, das instituições que nos abandonaram e da influência nefasta do neomathusianismo apocalíptico...
...o brasileiro, em sua imensa maioria, a maioria calada e preocupada em fazer o certo, se ajuda, é solidário e é caridoso. Até porque, se não fosse assim, que sentido faria lutar por essa coisa chamada Brasil?
* E antes que você venha me dizer que o brasileiro é mesmo intrinsecamente mau e ignora seu semelhante, eu lhe pergunto: você é assim? Então.
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