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Polzonoff

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Indigência cultural

“Tremembé”: quero de volta as cinco horas de vida que perdi

TREMEMBÉ
Cartaz da série "Tremembé": não faça como eu; não perca o seu tempo. (Foto: Divulgação/ Amazon MGM)

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Não vejo sentido em gastar meu tempo vindo aqui para “detonar” um produto cultural. Mesmo que esse produto seja uma série tão tão tão tão ruim quanto “Tremembé”. Por dois motivos: primeiro porque está cheio de livros, filmes e séries para eu recomendar. Como o novo livro da Adélia Prado. Aliás, já leram? Em segundo lugar, porque sempre ou quase sempre é possível tirar algo de bom de um livro/filme/série/música ruim.

Afinal, se nossos colegas da Aceprensa conseguiram encontrar qualidades admiráveis até mesmo na “Branca de Nevewoke... Mas duvido que encontrassem algo de bom para falar sobre “Tremembé”. E é por isso que venho aqui hoje: para que ninguém diga que não foi avisado. Para que ninguém cometa o mesmo erro que cometi e perca cinco preciosas horas de uma vida idem. E para refletir rapidamente sobre a nossa indigência cultural. Nosso imaginário miserável. Nossa mediocridade estética. Nosso analfabetismo narrativo.

Curiosidade e masoquismo

Como disse, no sábado perdi cinco horas da minha vida assistindo a “Tremembé”. E o pior: não, ninguém me mandou assistir àquilo. Vi porque quis. Por minha livre e espontânea vontade. A princípio, com curiosidade. Quero ver até onde vai esse caminhão desgovernado aí. Depois, com um inegável masoquismo. Por fim, com curiosidade de novo. Isto é, me perguntando a cada cena “como alguém teve coragem de escrever esse diálogo, de filmar essa cena, de montar e de exibir uma aberração dessas?!”.

Só agora percebo que faltou explicar o que é “Tremembé”. Desculpe. Me empolguei aqui. “Tremembé” é uma série em 5 episódios sobre o presídio de mesmo nome, e que abriga ou abrigou bandidos-celebridades como Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos, Elise Matsunaga, o casal Alexandre Nardoni & Anna Carolina Jatobá e o médico Roger Abdelmassih. Na teoria, os crimes dessas pessoas e o cotidiano delas na cadeia são os temas da série. E bota teoria nisso.

Imaginação miserável

Aqui é que entra a nossa indigência cultural. Porque “Tremembé” conta essas histórias sem nenhuma preocupação em acrescentar qualquer camada de reflexão à narrativa. Nada. Zero. Não tem busca por redenção, não tem nem um fiapo de arrependimento, não tem crise existencial, não tem nem explicação psicanalítica ou sociológica. Nada. Não tem nada. Absolutamente nada. Os personagens são tão humanos quanto... um tijolo. E esse nem é o maior defeito da série. Aguarde e confie.

Porque, em sendo “Tremembé” uma expressão da nossa imaginação miserável, ela busca apenas reproduzir com o máximo de fidelidade algumas cenas da TV ou dos autos dos processos. Só. Tão-somente isso. Da direção de arte à atuação onomatopaica, tudo em “Tremembé” é uma tentativa de imitar ou reproduzir a realidade. Não há nenhuma ambição estética, muito menos imaginação. Nenhum momento que se pretenda a icônico. Tudo é, na melhor das hipóteses, medíocre. De uma mediocridade preguiçosa e, ouso dizer, confortável. E agora vem a hora daquela pergunta incômoda: como é que chegamos até aqui?

Estética da mediocridade

Tenho algumas teorias. A melhor delas: a falta de ambição artística é típica de uma geração criada na abundância. Não só a abundância de recursos, mas principalmente a abundância de elogios. “Tremembé” jamais teria sido realizada se os recursos para o audiovisual fossem escassos e se os envolvidos precisassem contar essas histórias. Primeiro porque a escassez é o combustível da criatividade. Todo mundo sabe disso. Depois porque é a necessidade o que alimenta a ambição. Não a ambição de dinheiro, e sim de reconhecimento e expressão.

Mas não dá para falar em indigência cultural sem falar também no péssimo nível do público (entre o qual infelizmente me incluo). Um público que, se não exige mais, é porque não sabe e, em não sabendo, se contenta com qualquer coisa. Aqui, porém, me faltam espaço e vontade para entrar nesse assunto complexo que é a falta de educação cultural do brasileiro. Para constatar isso, basta pesquisar a trilha sonora de “Tremembé”. Que me perdoem os fãs, mas ouvidos capazes de ouvir aquilo são ouvidos que há muito se deixaram corromper pela estética da mediocridade.

Belo

Dizer, porém, que falta ambição artística aos realizadores de “Tremembé” não é dizer que a eles falte ambição política. Pelo contrário! É dizer que a ambição artística foi substituída pela missão de expressar um ideário político. Não por acaso, e à semelhança do filme sobre Ney Matogrosso, a série dedica um espaço excessivo ao sexo, principalmente o homossexual. É para chocar o espectador? Ou será que é para normalizar? Seja lá para o que for, bocejo.

Por fim, no quinto e último episódio, e provavelmente de uma forma nada intencional, “Tremembé” acaba revelando a que veio. Nele, o único com um mínimo de imaginação na série, o roteiro sugere que a justiça, no caso de Suzane von Richthofen, seria ela morrer como os pais. Eis, pois, o que a série faz, mesmo sem pretender: apela ao voyeurismo do espectador para dar a ele a satisfação da vingança primitiva. O que, a quem tem ouvidos para ouvir algo melhor do que Pabllo Vittar, Grelo e Johnny Hooker, é o mesmo que igualar a monstruosidade daqueles personagens à monstruosidade inerente ao espectador.

Mas, quer saber? Até que faz sentido. Porque tudo é, de fato, mau para quem não tem imaginação, não busca a verdade nem sabe apreciar, quanto mais criar!, o belo.

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