Se na política brasileira parece impossível agradar a direita e a esquerda ao mesmo tempo, o resultado do leilão do lote 2 das concessões de rodovias do Paraná mostra que é muito mais fácil desagradar os dois lados do espectro político e até unir opositores para criticar, publicamente, os próprios governos aliados. Quando o assunto é o pedágio paranaense, a politização do tema não é a exceção, mas sim a regra desde o polêmico Anel de Integração, modelo que vigorou no período de 1997 a 2021 e ficou marcado por brigas judiciais, discursos demagogos como “baixa ou acaba” e casos de corrupção.
Receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp
Seguindo a tradição, os dois primeiros lotes das novas concessões das rodovias do Paraná, em agosto e em setembro deste ano, foram marcados por discursos de opositores e tentativas de impedir o processo via judicial. Deputados estaduais petistas não pouparam críticas ao modelo de concessão confirmado pelo ministro do Transporte, Renan Filho, integrante do primeiro escalão do governo Lula. Uma liminar chegou a suspender, temporariamente, os efeitos do leilão do lote 1 arrematado pelo Grupo Pátria.
A temperatura subiu ainda mais com a proposta vencedora do leilão do lote 2, realizado na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, na última sexta-feira (29), quando a EPR, única corrente do certame, arrematou 604 quilômetros de rodovias com o desconto de apenas R$ 0,08, condição que uniu aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do governador Ratinho Junior (PSD) na artilharia de ataque contra o modelo de concessão acordado pelos chefes do Executivo.
“Temos um leilão que não aconteceu. Um leilão tem que ter lance, concorrência. Não teve leilão. O desconto? Zero vírgula zero. O modelo do pedágio foi defendido pelo governador Ratinho Junior, porém esse maldito modelo foi abraçado pelo Lula, que gravou até vídeo. A culpa está rachada entre o governo estadual e o governo federal”, declarou o deputado estadual Requião Filho (PT), em discurso na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) na última segunda-feira (2).
Do lado oposto, o deputado estadual Tercílio Turini (PSD) tem a mesma postura dos parlamentares petistas, apesar de ser filiado ao mesmo partido e integrar a base do governador Ratinho Junior. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele classificou o resultado do lote 2 como uma “tragédia” estadual.
“A sociedade paranaense sofreu durante 24 anos e o pedágio caro virou um pesadelo, com denúncias de corrupção e muitas obras ficaram para trás. Agora, vem o lote 2 sem concorrência, com desconto de 0,08%, ou seja, sem nenhum desconto. Em São José dos Pinhais, o preço previsto é de R$ 22,30. Para um rodotrem de nove eixos, o valor vai ultrapassar os R$ 200. É um absurdo, é uma tragédia”, afirma o deputado ao citar a descida da Serra Mar pela BR-277, principal rota para escoamento da safra e dos produtos paranaenses, que tinha uma tarifa menor sendo reivindicada há anos pelo setor produtivo.
Turini também projeta que o transporte de cargas deve ficar entre 15% e 20% mais caro com o degrau tarifário previsto após a implantação da terceira pista na rodovia até o Porto de Paranaguá. “Mesmo sendo da base, a gente tem opinião diferente. Estamos fazendo uma análise do futuro do Paraná. A gente pode comprometer o futuro do estado que depende de rodovias mas também depende de preços que não sejam abusivos”, opina.
Deputado da base do governo defende cancelamento do leilão
Integrante da base e ex-líder do governo na Assembleia Legislativa, Luiz Claudio Romanelli (PSD) defende o cancelamento do certame na B3 e a revisão técnica do edital do lote 2. “O correto seria cancelar esse leilão, fazer uma revisão de todo o processo e rediscutir para os próximos leilões, sob o risco de ficarmos durante 30 anos com um modelo ruim. Quando você está tratando de questões de interesse público, que envolve todos os usuários de rodovias, a gente precisa pensar na questão como um todo. Milagre não tem, obviamente, mas, a gente pode melhorar com discussões técnicas”, avalia.
“A gente sabe que não tem almoço de graça, mas o resultado que a gente esperava desse leilão era desconto. Todo trabalho é pautado com base no interesse público, não estou aqui para atacar ninguém e nem para agradar ninguém também”, acrescenta.
Questionado sobre a politização do debate, o deputado lembrou do grupo técnico que foi criado para discutir o novo pedágio com o Instituto Tecnológico de Transporte e Infraestrutura da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Quem quer levar isso para um debate de situação e oposição ou politizar o pedágio, de fato, não quer discutir o assunto com a responsabilidade que o tema exige. Não me chamem para esse debate, pois queremos discutir à luz da boa técnica e do interesse público”, rebate.
Professor afirma que discussão política do pedágio é “doença autoimune”
Na avaliação do professor de direito administrativo da PUC-PR Bernardo Strobel Guimarães, existe uma tendência de alta judicialização dos processos de concessões e privatizações no país, com a meta de “recalibramento do tamanho do estado dentro da economia”, principalmente dos partidos que se alinham mais à esquerda no espectro político. Ele citou o exemplo da desestatização da Eletrobras, oficializada em 2022 durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas que chegou a ser questionada pelo governo Lula no Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano.
“É uma cultura de bandeiras históricas de certos grupos políticos. Às vezes, essas medidas têm méritos, outras nem tanto, mas são sinalizações para uma base de eleitores que reconhecem nesse tipo de medida, uma iniciativa valiosa. São partidos que veem o mundo na ótica da polarização e fazem uma análise do seu comportamento estratégico muito fundada na perspectiva de que a iniciativa privada seja ruim por definição. Isso está muito associado a esses partidos e sindicatos. Por isso, historicamente, os processos são intensamente discutidos e judicializados”, avalia Guimarães.
Nesse contexto, o professor lembra que desde a primeira concessão rodoviária no Paraná, em 1997, os grupos políticos têm a postura de questionar qualquer assunto relativo ao pedágio com “méritos judiciais” ou com “manifestações puramente ideológicas fantasiadas de pretensões jurídicas”, tendência que se repetiu no lote 1 do leilão da nova concessão paranaense, que foi considerada bem sucedida por conta do desconto de 18,5% na tarifa base.
“A judicialização fez mal, pois é fácil propor uma ação que desloca o problema ao poder judiciário, que raramente consegue ter a capacidade de resolver esses problemas em um tempo adequado. Depois, os grupos políticos tentam extrair os louros por terem feito essa movimentação”, analisa.
Questionado sobre a postura dos parlamentares petistas contra o modelo federal de concessões com obras que integram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Lula, Guimarães respondeu que existe uma “doença autoimune” quando o assunto é pedágio no Paraná.
“Existe uma má concepção das concessões de rodovias e os parlamentares, ainda que façam parte de uma base governamental, extraem benefícios políticos em relação a isso. É uma doença autoimune. As pessoas que integram os partidos políticos responsáveis pela organização dos programas, tanto em nível federal ou estadual, atacam o programa desde que ele foi apresentado”, ressalta.
Segundo o professor, a falta de sintonia entre base e governo sinaliza para a insegurança jurídica dos processos e para risco nos investimentos, o que pode afastar o capital privado dos projetos de concessões. “O mercado entende que é uma política pública aderente à visão do atual governo, mas quando atores políticos envolvidos e pertencentes a esses grupos atacam essa política, ostensivamente ou veladamente, isso traz uma sensação de que não existe coesão sobre a oportunidade, que acaba sendo visto como um risco.”
Assim, na avaliação de Guimarães, o cálculo político passa a ser feito de maneira individual e coloca na balança o que é mais benéfico: desgaste interno com o partido ou um aceno eleitoral. “Os agentes políticos não são agentes racionais. Eles estão preocupados em ganhar votos, se manterem fiéis às bases que transferem o poder por meio do voto. Se o desgaste for menor que o benefício, o político adota o comportamento que for melhor para posição dele”, comenta.
O professor da PUC destaca como "madura" a postura de consenso adotada por Lula e Ratinho Junior, que estiveram em lados opostos nas últimas eleições, sendo que o modelo do pedágio foi construído pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na gestão Bolsonaro, aliado do governador paranaense. Depois de negociações por intermédio do ministro dos Transportes, Renan Filho, o governo Lula lançou os primeiros lotes das novas concessões.
“Ambos extraem benefícios com as rodovias, sendo que grande parte delas são do governo federal. Ou seja, não é do interesse de ninguém ter uma malha que possa ser vista como absolutamente inadequada, pois se torna uma exposição desfavorável na opinião pública.”
"ANTT bolsonarista limitou mudanças no edital", diz deputado petista
O deputado estadual Arilson Chiorato (PT) afirmou que o Partido dos Trabalhadores no Paraná foi contra o modelo do novo pedágio que, de acordo com ele, “nasceu, foi criado, batizado e crismado” por Bolsonaro e Ratinho Junior.
Segundo ele, o governo Lula impediu a realização do leilão durante o processo de transição presidencial para ajustes no edital, entre eles, o aumento do percentual do aporte e avanços no controle de fluxo de veículos, mas as mudanças propostas foram limitadas pela "influência bolsonarista" na ANTT.
“É claro que o PT do Paraná não está de bom grado com esse modelo, mas tem um condicionante pesado que chama a ANTT, que tem mandato independente, eleito em 2022 até 2024. Ou seja, essas pessoas que estão lá são do governo Bolsonaro. Eles formaram esse modelo de pedágio e por isso, muitas coisas não puderam ser modificadas”, disse o deputado petista.
Chiorato também afirma que será o “fiscal de Lula” no cumprimento dos contratos de concessões das rodovias. “Eu vou ser o fiscal do Lula aqui para ver se realmente o pedágio vai estar em um preço mais baixo e se as coisas vão acontecer, conforme os dois [Ratinho Junior e o ministro Renan Filho] propagaram. Eu não acredito, mas vou fiscalizar os processos e, se precisar, vou acionar o governo federal independente dele ser do PT”, promete.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná
Deixe sua opinião