Preocupado com as seguidas quedas de popularidade e frustrado pelo descumprimento das suas promessas de governo em diversas áreas, sobretudo na economia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enxergou na tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul uma oportunidade para "lançar" sua campanha antecipada pela reeleição em 2026. Com dois anos e meio de antecedência, Lula reforça um palanque que, na prática, ostenta desde 2022.
Os anúncios de medidas de socorro aos gaúchos feitos pelo presidente têm formato e discurso típicos de candidato, incluindo críticas duras e comparações a adversários políticos, além de autoelogios e até uma declaração explícita de que está disposto a “disputar mais umas 10 eleições”. Tudo isso sem considerar a sobriedade exigida de um líder nacional ao lidar com uma catástrofe humanitária sem precedentes, que afetou diretamente a vida de 2 milhões de pessoas.
Ainda dentro do seu plano de reeleição, o chefe do Executivo promove mudanças pontuais em sua equipe, visando ampliar o controle sobre narrativas e montantes excepcionais de verbas federais, bem como acelerar a execução de projetos que levam a marca de sua administração.
Para especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o presidente da República assumiu com essas atitudes de investida eleitoreira um risco elevado, o que pode levar no final a um resultado contrário do desejado.
Até então, Lula estava na defensiva diante do avançar das articulações dos governadores presidenciáveis Tarcísio Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) para distanciar o Planalto de importantes setores empresariais. As sucessivas quedas na avaliação do desempenho do governo nas pesquisas de opinião e a piora nas expectativas do mercado com a irresponsabilidade fiscal favoreciam esse movimento.
Mas, ao retomar a vertente política a partir da inescapável ação federal no Rio Grande do Sul, Lula enxerga a chance de melhorar a sua imagem, primeiramente no estado e, depois, em todo o país.
Intervenção estatal na economia mira as urnas
Para o cientista político Leonardo Barreto, nas duas últimas semanas, Lula aproveitou a calamidade gaúcha para também ocupar espaços políticos de modo a redobrar a aposta na sua capacidade pessoal de influenciar os rumos da economia. A troca de comando na Petrobras, com a saída de um político, o ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN), e a chegada de uma burocrata sintonizada com a sua agenda desenvolvimentista, a ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Magda Chambriard, visou dar ainda mais relevância ao papel da estatal no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
O reforço ao pensamento do governo de que a expansão da atividade econômica se dará fundamentalmente por meio de obras e da intervenção direta do Estado, retomando integralmente o modelo malsucedido da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), deverá se aprofundar ainda mais em 2025.
Um sinal claro disso veio do racha recentemente exposto no Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que pôs em lados opostos diretores nomeados antes e após Lula. Investidores já alimentam a expectativa negativa de que as decisões futuras da autoridade monetária se orientarão pelo Planalto a partir do próximo ano, após a saída de Roberto Campos Neto da presidência do BC.
Para completar o arranjo para dar musculatura e velocidade ao seu plano para conquistar mais um mandato, o quarto da sua trajetória presidencial, Lula também avançou ainda mais na parceria estratégica com o Supremo Tribunal Federal (STF) para superar impasses com o Legislativo. Pela via da judicialização, o governo conseguiu impor ao Congresso a reabertura do debate em temas de seu interesse, sobretudo no tema da desoneração previdenciária da folha de salários de 17 setores da economia.
Lula acionou o Judiciário e, por meio do ministro da Corte Cristiano Zanin, seu ex-advogado pessoal, conseguiu que fosse declarada a inconstitucionalidade da medida, que havia sido amplamente aprovada por deputados e senadores. Pressionados, empresários e parlamentares cederam em favor de uma nova tramitação política.
Lula fecha acordos com os chefes do Legislativo
O canal direto entre Lula e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aberto no mês passado para solucionar negociações em torno de vetos e outras discordâncias entre Executivo e Legislativo, conteve o risco de uma ruptura entre os poderes. Mas, agora operando no “modo reeleição”, o presidente também se serviu dessa articulação para agilizar medidas de socorro ao Rio Grande do Sul e ainda tentar explorar dividendos políticos do contexto de “união nacional”.
Especialistas como o cientista político João Henrique Hummel Vieira, da consultoria Action, alertam que, a partir desse ponto, qualquer crise entre Planalto e Congresso tende a ganhar vulto maior do que nos muitos casos anteriores desde a posse do petista.
“Os acordos firmados agora foram feitos diretamente entre os chefes dos poderes, sem a presença de mediadores sobre os quais as culpas estavam recaindo até então. Se as entregas prometidas pelo Planalto não ocorrerem, retaliações ficam mais difíceis de serem evitadas”, alerta.
Escolha de "interventor" para o RS irrita oposição
Nas frentes abertas por Lula para colocar em marcha o seu plano de recuperar popularidade e fortalecer a sua candidatura em 2026 se insere a criação do secretaria extraordinária - com status de ministério - para centralizar as ações federais de reconstrução no Rio Grande do Sul. A situação institucionalmente nova, protagonizada pelo ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), o deputado gaúcho Paulo Pimenta (PT), irritou a oposição, que acusa o presidente de fazer uso político da situação, por meio de um "poder moderador" sobre o estado.
O anúncio da nova função de Pimenta gerou mal-estar para a administração do governador Eduardo Leite (PSDB), embora o ministro não tenha orçamento próprio e nem autorização legal para ditar regras. De toda forma, é conhecido o desejo dele de disputar o governo estadual, possivelmente contra o atual vice-governador Gabriel Souza (MDB), correligionário do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Não por acaso, Lula tratou de apontar "falhas" na prevenção do desastre, que foi justificada por Leite pelas "outras agendas" com que tem de lidar. O último petista a governar o Rio Grande do Sul foi Tarso Genro (2011-2015).
Após duas semanas internado para tratar de uma infecção de pele, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a escolha de Pimenta em suas redes sociais, o chamando de interventor. “Esse é o escolhido por Lula como ‘interventor’ no Rio Grande do Sul”, escreveu em seu perfil no X (ex-Twitter) junto a um vídeo em que o ministro elogia o presidente venezuelano, Nicolás Maduro.
Lula e Leite têm Bolsonaro e seus aliados como adversários. A força do ex-presidente no Rio Grande do Sul é evidente: no segundo turno, Bolsonaro foi o mais votado no estado com 56,35% dos votos válidos, enquanto Lula obteve 43,65%.
Na corrida pela reeleição, Leite, que havia renunciado ao mandato para disputar a Presidência e depois desistiu, venceu o segundo turno com 57,12%. O candidato apoiado por Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (PL), tinha recebido mais votos que Leite no primeiro turno, mas perdeu no final, com 42,88%. Os petistas apoiaram o governador.
"Comício" no RS expôs o viés eleitoreiro de Lula
O ato organizado por Lula na última quarta-feira (15) em São Leopoldo, um dos redutos do PT no Rio Grande do Sul, durante sua última visita ao estado, constrangeu o governador Eduardo Leite. O presidente chamou o ministro Paulo Pimenta ao centro do palco, dando ao evento ares de inauguração de governo.
O deputado Aécio Neves (MG), opositor do Planalto e articulador de uma candidatura tucana à Presidência em 2026, que pode ser delegada a Leite, defendeu o governador do RS. Aécio classificou a nomeação de Pimenta como uma "excrescência". Não por acaso, Eduardo Leite, potencial concorrente de Lula na disputa pelo Planalto, anunciou a distribuição de até três salários-mínimos para famílias de baixa renda atingidas pelas cheias.
O grande volume de recursos mobilizados pela União para ajudar o Rio Grande do Sul, que já passam da estimativa de R$ 50 bilhões, e a escolha de Pimenta para a nova secretaria consagraram a impressão de que Lula não perdeu tempo na oportunidade de politizar a tragédia. O estilo agressivo do deputado não deixa dúvidas da intenção de dominar o discurso oficial, seja pela divulgação de iniciativas, seja pela insistência em associar críticas à atuação do governo às práticas de desinformação e difusão de notícias falsas.
Segundo o cientista político Ismael Almeida, Lula criou uma secretaria com status de ministério e colocou Paulo Pimenta nela também para se “livrar” dele na Secom, que é vista como ineficaz, contribuindo para a queda na popularidade do governo.
“Rumores indicam que a Secom era cobiçada pela primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, que agora poderá influenciar na escolha do substituto de Pimenta”, sublinha.
O prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), é o mais cotado, mas pretende terminar primeiro o seu mandato para assumir a missão, deixando o jornalista Laercio Portela como interino.
Almeida entende que a ida de Edinho para a Secom faz parte do plano de Lula para tenta melhorar a comunicação para se aproximar da classe média, evangélicos e agronegócio. Apesar disso, a inflação, as posições de Lula sobre a guerra de Israel contra o Hamas, e as invasões do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) seguirão, na sua opinião, dificultando essa aproximação.
Rui Costa e Alexandre Silveira são fortalecidos
Outro beneficiário direto do avanço de Lula para exercer mais controle sobre o processo decisório é o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Além de fazer prevalecer a ideia do PAC como motor da economia, trouxe as decisões da Petrobras para a sua órbita da Bahia, ajudado pelo ex-presidente da empresa, Sérgio Gabrielli.
Ismael Almeida avalia que a saída de Jean Paul Prates da Petrobras era questão de tempo devido a disputas internas com os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa. “Prates sentiu-se humilhado pela forma da demissão, que ocorreu na presença dos ministros que queriam sua saída. Lula alegou divergências sobre a importância da Petrobras e a omissão de Prates na distribuição de dividendos”, lembra.
Magda Chambriard assume com a expectativa de defender novas áreas de exploração e o papel social da petroleira. Entretanto, a demissão de Prates ainda pode ser questionada na Justiça por acionistas. Magda é técnica e assertiva, com estilo comparado ao de Dilma Rousseff.
Para o “modo reeleição” acionado por Lula para seu governo, a chegada dela resolve a ansiedade em relação a investimentos e fortalece os ministros de Minas e Energia e da Casa Civil, defensores da ocupação política dos postos de comando da estatal e de espaços na máquina pública para fins políticos.
Há ainda a expectativa de uma reforma ministerial pautada por essa orientação logo após o fim das eleições municipais.
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