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Nos últimos anos, tenho acompanhado com preocupação o aumento expressivo de processos judiciais contra médicos no Brasil. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2023 e 2024, o número de ações relacionadas a erros médicos e insatisfação com procedimentos cresceu 506%.
O dado mais alarmante, a meu ver, é que já temos mais ações judiciais do que médicos no país: são 573.750 processos para 562.206 profissionais registrados. Isso significa que, a cada hora, pelo menos quatro novas ações são abertas contra profissionais da saúde.
Tenho observado de perto como esse cenário tem afetado a prática médica, especialmente em áreas como a angiologia e a cirurgia vascular. A Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) vem acompanhando esse fenômeno com atenção e tem reiterado os alertas sobre os efeitos da crescente judicialização.
Em muitos casos, os processos têm origem na falta de compreensão sobre os riscos e limitações inerentes aos tratamentos, somada a expectativas irreais alimentadas por informações distorcidas, frequentemente disseminadas pelas redes sociais.
Especialidades como ginecologia e obstetrícia lideram as ações no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com 42,6% dos casos, seguidas por ortopedia e traumatologia (15,91%) e cirurgia plástica (7%).
O Sul do país concentra a maior taxa de processos por mil habitantes (5,11), seguido por Sudeste (3,12), Centro-Oeste (2,72), Nordeste (1,85) e Norte (0,80). Em números absolutos, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia lideram.
Esse movimento tem raízes diversas. Em muitos casos, pacientes judicializam tratamentos não oferecidos pelo SUS ou negados pelos planos de saúde – situações que expõem falhas sistêmicas, e não necessariamente erros médicos. No entanto, a responsabilidade recai sobre os profissionais.
A superexposição nas redes sociais, especialmente de resultados estéticos, tem criado padrões irreais. O paciente, munido de imagens perfeitas e promessas indiretas, se frustra com resultados reais.
No caso da cirurgia plástica, ainda há o agravante de que a Justiça, muitas vezes, interpretá-la como “obrigação de resultado”, o que aumenta a vulnerabilidade do médico diante da insatisfação subjetiva.
O reflexo direto dessa pressão é a adoção crescente da medicina defensiva.
Muitos colegas, inclusive eu, já nos vimos compelidos a solicitar exames e procedimentos desnecessários apenas como forma de proteção jurídica
Em paralelo, há quem esteja desistindo de atuar em áreas mais suscetíveis a litígios, o que compromete o acesso da população a determinados cuidados.
Além disso, o próprio Judiciário sofre com a sobrecarga. Processos que poderiam ser evitados com um diálogo franco acabam consumindo tempo e recursos de todos os envolvidos.
É nesse ponto que o termo de consentimento informado ganha centralidade – não como um protocolo burocrático, mas como expressão do compromisso ético do médico com a clareza.
Diante desse cenário, acredito que é urgente construirmos um pacto mais equilibrado entre médicos, pacientes e instituições. A educação em saúde, o fortalecimento da comunicação e a segurança jurídica não são mais objetivos futuros – são necessidades imediatas. Só assim poderemos resgatar a confiança na relação médico-paciente e preservar a essência do nosso ofício: o cuidado.
Armando Lobato, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), doutor pela USP e pós-doutor pelo Arizona Heart Institute.



